Proposta de autoria de Marina Helou (Rede) recebeu assinaturas de 40 colegas, unindo partidos como PT, PSOL, PL e PSDB, e deve ser sancionada sem vetos por Tarcísio
A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) aprovou, nesta terça-feira (12), projeto de lei que proíbe o uso de celulares nas escolas da rede pública e privada do estado. Os deputados consideraram que o acesso aos aparelhos prejudica o aprendizado e devem ser vetados não apenas de sala de aula, como previa legislação anterior, mas de todo o ambiente escolar. A lei entra em vigor 30 dias após a sanção do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), o que deve ocorrer sem vetos.
Apresentada em abril deste ano pela deputada estadual Marina Helou (Rede), a proposta tramitou de modo acelerado e angariou apoios de todos os partidos da Casa. Assinam como co-autores 40 colegas, de partidos como PT, PSOL, União Brasil, PL, Republicanos e PSDB. Professora Bebel (PT) e Ediane Maria (PSOL) dividem os louros do projeto com deputados bolsonaristas como Lucas Bove (PL) e Guto Zacarias (União). Depois de passar por todas as comissões, foi aprovada de maneira protocolar em plenário e segue para análise do Executivo.
O projeto altera e acrescenta artigos a uma lei sancionada em 2007, pelo então governador José Serra (PSDB). Segundo ela, os alunos da rede estadual de ensino ficariam impedidos de utilizar o telefone celular em horário de aula, salvo durante atividades pedagógicas. A medida, segundo especialistas, acaba sendo pouco efetiva na prática, pois mantém os aparelhos sob posse dos alunos e demanda monitoramento dos professores e das instituições.
O texto aprovado proíbe a utilização de celulares e outros dispositivos eletrônicos com acesso à internet, como tablets e relógios inteligentes, em todo o ambiente escolar, tanto na rede pública, quanto na rede privada, em todo o território de São Paulo. O acesso é vedado, inclusive, nos intervalos entre as aulas, recreios e atividades extracurriculares, mas pode ser autorizado quando houver necessidade pedagógica para acesso a ferramentas digitais ou para alunos com deficiência que requerem auxílios tecnológicos específicos para realizar as atividades.
Estudantes que optem por levar os aparelhos para a escola devem deixá-los armazenados, mas a forma como isso ocorreria ainda deve ser objeto de regulamentação pelas secretarias estaduais e municipais, no caso da rede pública, ou pelos próprios colégios particulares. Outro ponto que deve ser regulamentado pelo poder público é a obrigatoriedade de manter canais acessíveis de comunicação dos pais e responsáveis com a instituição de ensino, caso estes precisem, por exemplo, contatar os alunos por algum tipo de aviso ou emergência.
O projeto cita estudos acadêmicos e um relatório da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) que demonstram que a mera presença do telefone pode reduzir a retenção do aprendizado e prejudicar o desempenho dos alunos. O texto sustenta ainda que a arquitetura das redes sociais podem resultar em vício e que o uso prolongado por crianças e adolescentes traz mais riscos de desenvolver quadros como depressão e ansiedade.
Marina Helou afirmou ao GLOBO que a matéria ganhou apelo nas diferentes bancadas pelo fato de ter feito uma “discussão técnica, mostrando dados e evidências, estudos científicos do mundo inteiro”, e que diversos países estão aderindo a esse tipo de política pública para proteger crianças e adolescentes de efeitos nocivos do uso dos aparelhos nas escolas. Ainda não há prazo para que os dispositivos sejam regulamentados pela Secretaria Estadual de Educação, segundo a deputada, mas a expectativa é que isso seja feito a tempo do início do próximo ano letivo, em fevereiro de 2025.
O tema também uniu campos políticos opostos nos Estados Unidos. Em 2024, pelo menos oito estados americanos — tanto governados por democratas como por republicanos — passaram leis que restringem os celulares nas escolas. Após uma decisão pioneira da Flórida banir o uso na sala de aula, no ano passado, territórios como Carolina do Sul, Nova York e Califórnia seguiram na mesma direção — e outros discutem a implementação de medidas similares.
Claudia Costin, especialista em políticas educacionais e ex-diretora global de educação do Banco Mundial, concorda com o endurecimento das regras e argumenta que, nesse caso, com inúmeras pesquisas acendendo o alerta para problemas de saúde e de aprendizagem, é “preferível que se peque pelo excesso”.
— O celular é um forte elemento de distração tanto para adultos quanto para crianças. Só que o adulto tem o córtex pré-frontal, parte que nos garante um certo autocontrole, maduro a partir dos 25 anos. A criança não tem, e o fato de o celular estar ao lado enquanto o professor está dando aula prejudica muito — aponta.
Costin avalia ainda que faz sentido restringir os aparelhos mesmo durante o recreio e atividades de lazer porque isso estimula a interação e a convivência, fundamentais para o desenvolvimento.
Katia Smole, diretora do Instituto Reúna e integrante do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, defende a medida como um “recuo estratégico” enquanto ainda não está claro como as tecnologias adotadas. Entende, por outro lado, que a sociedade não deve se contentar com uma mera proibição, mas precisa discutir maneiras de se disseminar práticas responsáveis em todos os lugares e focadas nas diferentes faixas etárias.
— Ainda não sabemos fazer isso em escala, com 30, 40 alunos dentro da sala de aula numa escola grande. Então, acho que devemos recuar, para todos nós aprendermos como se faz essa educação para as telas, e depois voltamos com os usos pedagógicos que estão previstos — defende. Segundo ela, a restrição ao uso do celular nas escolas por crianças e adolescentes tem sido adotada em dezenas de países da América Latina e da Europa. O caso que mais lhe chama atenção, contudo, é o da Austrália, em que o governo desenvolveu um site com diversos recursos para orientar pais, professores e cidadãos em geral a fazer o controle parental e trazer alternativas a redes sociais, jogos e outros atrativos da internet.
— Esse é um lugar em que a gente precisa chegar, porque o mundo é tecnológico e desenvolver competências digitais é muito importante. Inclusive como forma de transmitir segurança — completa.
GLOBO