Universidade Federal do Ceará enviou primeiro lote com 300 curativos biológicos no início de junho. Rico em colágeno, material permite melhor regeneração em áreas lesionadas.
O uso da pele de tilápia para tratar animais feridos acelera o processo de cicatrização e permite a diminuição da dor do processo convencional de recuperação. Na primeira semana de junho, um primeiro lote com 300 curativos foi enviado do Ceará para auxiliar no tratamento de cavalos feridos durante as enchentes do Rio Grande do Sul.
O primeiro lote de peles foi enviado para Santa Catarina, de onde foi encaminhado para a cidade de Nova Santa Rita, na região metropolitana de Porto Alegre.
Outro lote com 300 unidades está sendo preparado pelo Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da UFC. A previsão é que os curativos biológicos fiquem prontos para envio até o fim de junho.
A pele da tilápia interage com feridas ou queimaduras e acelera os processos de cicatrização em humanos e animais. Rica em colágeno tipo 1, a membrana do peixe também repara a matriz dérmica, conforme informações da Agência UFC.
Além disso, o material adere à lesão, evitando a perda de líquidos e protegendo da invasão de bactérias.
LEIA TAMBÉM:
- Médico explica benefícios da pele de tilápia para tratar queimadura, técnica usada em série americana ‘The Good Doctor’
- Pesquisadores do Ceará se mobilizam para enviar pele de tilápia ao Líbano para tratar queimaduras de vítimas de explosão
- Pesquisadores do Ceará inauguram banco de pele de tilápia para uso em tratamentos médicos
Com pesquisas desenvolvidas desde 2015 na Universidade Federal do Ceará (UFC), o processo de beneficiamento da pele da tilápia para aplicações médicas teve patente outorgada em 2023 pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).
“É muito gratificante, num momento como este, de tragédia, poder contribuir, enviando um produto que vai não apenas reduzir a troca de curativos, como também diminuir a dor dos animais, provocada pelas trocas constantes dos curativos convencionais”, afirmou ao Portal da UFC o cirurgião plástico Edmar Maciel, que coordena as pesquisas com pele de tilápia.
O g1 explica como funciona o tratamento e os benefícios aos animais por meio dos seguintes tópicos:
- Quais animais serão tratados?
- Como funciona o tratamento?
- Quais são as vantagens em utilizar a pele do peixe?
- De onde vem a pele utilizada?
- Quando começaram as pesquisas com a pele?
- Quais aplicações médicas já foram feitas?
Quais animais serão tratados?
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2024/g/U/nhi5H5SFSrzTXKTJAVyw/pele-de-tilapia.png)
Usos médicos e veterinários da pele de tilápia têm sido explorados pela UFC desde 2015 — Foto: Viktor Braga/UFC
Neste primeiro momento, a maior parte dos animais tratados no Rio Grande do Sul com a pele de tilápia será de cavalos com ferimentos provocados pela submersão na água.
Essas feridas de submersão se desenvolvem pelo excesso de tempo em que os animais ficaram com as patas debaixo d’água.
A técnica pode ser aplicada em animais de várias espécies, já tendo sido utilizada em mamíferos diversos, lobos, jacarés e serpentes.
Um exemplo foi no ano de 2020, quando pesquisadores da UFC enviaram a pele de tilápia para tratar os animais feridos durante as queimadas no Pantanal.
A pele do peixe também foi um recurso usado por pesquisadores da Califórnia, nos Estados Unidos, para auxiliar ursos e pumas queimados em 2018.
Como funciona o tratamento?
A aplicação direta da pele de tilápia como um curativo pode ser feita em queimaduras ou outros tipos de lesão da pele do animal.
Abundante em colágeno, uma das principais responsáveis pelo processo de regeneração da pele, a pele do peixe entra em contato com a ferida e ajuda na reconstituição e na cicatrização. Ela age como um curativo temporário, facilitando o tratamento.
Quais são as vantagens em utilizar a pele do peixe?
A pele de tilápia tem alto potencial de regeneração. Em comparação com tratamentos convencionais, ela abrevia a dor sentida na recuperação.
Ela pode passar mais tempo cobrindo a ferida do paciente. A diminuição da quantidade de trocas de curativos, exemplificada pelo cirurgião Edmar Maciel, é um dos motivos para aliviar o desconforto do animal durante o período de tratamento.
Além disso, o material adere à pele e forma uma camada de proteção contra a contaminação por bactérias. Outra vantagem apontada é que a pele de tilápia também reduz a perda de líquidos do animal.
De onde vem a pele utilizada?
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2024/f/t/AjnKM6QnWG1rBvIzGXLg/pele-tilapia-ufc.jpg)
Cerca de 99% das tilápias consumidas não têm a pele reaproveitada para outros fins e são descartadas — Foto: Saulo Roberto
Para o socorro dos animais do Rio Grande do Sul, a pele de tilápia passa por um processo de esterilização no Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares (IPEN), em São Paulo. Esta etapa permite maior conservação da pele em temperatura ambiente, com durabilidade de três anos para o material.
O material é preparado no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), em Fortaleza.
A pele utilizada para os estudos feitos pela UFC é da tilápia-do-nilo, o peixe mais consumido do Brasil. A espécie existe em grandes quantidades no Brasil, especialmente no Nordeste.
De acordo com a Agência UFC, é economicamente viável utilizar a pele da tilápia porque ela costuma ser descartada após o consumo. Apenas 1% dela é aproveitada, com uso no artesanato.
A utilização também é considerada clinicamente mais segura porque animais aquáticos disseminam menos doenças em comparação com os animais terrestres.
Quando começaram as pesquisas com a pele de tilápia?
As pesquisas iniciaram entre 2014 e 2015 na UFC, no núcleo vinculado à Faculdade de Medicina. Inicialmente, elas se concentravam em desenvolver um curativo para tratar queimaduras, úlceras varicosas e outras feridas.
A descoberta do colágeno tipo 1 na pele da tilápia foi feita nos estudos do cirurgião Edmar Maciel em parceria com a equipe de Histologia da professora Ana Paula Negreiros, da Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem da UFC.
Quais aplicações médicas já foram feitas?
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2021/q/U/SXzyfeSMSBKFzNxgeB0w/pele-tilapia.png)
Uso inicial da pele de tilápia com aplicações médicas foi para o tratamento de queimaduras em humanos. — Foto: UFC/Reprodução
Do Ceará, a descoberta se expandiu para aplicações em nove estados brasileiros e nove países, sendo pesquisado atualmente em 96 projetos por mais de 350 pesquisadores.
Os tratamentos com a pele de tilápia já foram usados em diversos contextos, como em cirurgias de córnea em cachorros, de hérnia abdominal, além dos usos na cardiologia, nefrologia e em endoscopias.
A técnica também foi utilizada em missões especiais, como no tratamento das vítimas de explosão no Porto de Beirute.
Ela foi, ainda, aplicada com êxito em cirurgias ginecológicas, em pacientes com câncer pélvico e no procedimento cirúrgico de reconstrução vaginal em mulheres com síndrome de Rokitansky.
G1 CE