Após o marido perder as funções cognitivas, Lívia Souza dedica-se aos cuidados de José Carlos e compartilha nas redes sociais a rotina com ele
Escrito por
Maria Clarice Sousa*producaodiario@svm.com.br
A rotina da desenvolvedora de sistemas, Lívia Souza, de 29 anos, começa cedo. Ela prepara o café, separa os remédios e ajuda o marido, José Carlos Pereira Lima, de 30, em cada passo do dia: da alimentação ao banho, das caminhadas curtas às músicas que embalam o casal. No final de 2019, José perdeu a memória e as funções cognitivas após o diagnóstico de um linfoma não Hodgkin de grandes células tipo B, um tipo raro de câncer no cérebro. Desde então, depende inteiramente da esposa.
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A história do casal, que mora em Brasília, é marcada por uma forma de amor que sobreviveu à perda das lembranças. No início, o casal viveu o susto do diagnóstico e o medo das previsões médicas. José chegou a ouvir que teria apenas três meses de vida. Hoje, cinco anos depois, ele segue em tratamento e vive sob o cuidado constante de Lívia, que deixou o trabalho presencial para se dedicar integralmente ao marido.
Entre medicações, consultas e canções, ela encontrou nas redes sociais uma forma de dividir a própria jornada. No TikTok, os vídeos que mostram o cotidiano dos dois ultrapassam 10 milhões de visualizações e atraem comentários de apoio. A história do casal passou a inspirar outras pessoas que enfrentam doenças graves ou situações de perda.
“Ele pode não lembrar de muita coisa, mas quando escuta música, canta cada verso. Às vezes, alguém pergunta quem eu sou, e ele responde: ‘é minha esposa’. Isso, pra mim, vale o mundo”, contou Lívia em entrevista ao Diário do Nordeste.
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Um amor que começou em sonho
O primeiro encontro do casal aconteceu em 2010, quando ainda eram adolescentes. Conversaram pouco, mas dois dias depois, Lívia sonhou que se casava com o rapaz que mal conhecia. O sonho parecia sem sentido, até que o destino tratou de aproximá-los.
Os dois começaram a conversar por mensagens, trocaram confidências e, em uma madrugada, José perguntou se ela queria namorar. O pedido, simples e inesperado, foi o início de uma parceria que se estenderia por anos.
Pouco tempo depois, decidiram se casar sem festa, sem luxo e com o essencial: o desejo de estarem juntos.
“Comprei o vestido num bazar, e as alianças custaram dois reais. Foi simples, mas foi nosso”, recorda.

O início da doença
Em 2019, o comportamento de José começou a mudar. Ele tinha crises de ciúmes, perdia o sono e sentia dores intensas. A princípio, Lívia pensou que fosse depressão, até que o quadro evoluiu para convulsões e delírios.
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Os médicos, após uma série de exames, chegaram ao diagnóstico de um tumor cerebral agressivo. A primeira previsão era de poucos meses de vida. No entanto, um novo exame realizado no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, identificou o linfoma não Hodgkin de grandes células tipo B. Grave, mas com possibilidade de tratamento.
José passou por oito ciclos de quimioterapia e sessões de radioterapia. Durante o período de internação, em plena pandemia, chegou a não reconhecer a própria esposa.
Atualmente, José vive com sequelas decorrentes de um acúmulo de líquido no cérebro, identificado pela primeira vez em 2021. Segundo Lívia, o quadro se agravou desde então, comprometendo a memória e a coordenação motora. Hoje, ele precisa de auxílio para realizar tarefas simples, como tomar banho e escovar os dentes, e costuma esquecer informações poucos minutos após recebê-las.
Diante do diagnóstico de hidrocefalia de pressão normal, os médicos indicaram uma cirurgia para a implantação de uma válvula ajustável, que pode ajudar a regular o problema e melhorar a capacidade cognitiva e motora de José. Lívia explica que o procedimento custa cerca de R$ 120 mil, podendo chegar a R$ 140 mil com despesas adicionais. Para isso, ela iniciou uma campanha nas redes sociais com o objetivo de arrecadar o valor necessário e oferecer ao marido uma nova chance de melhora.
A perda da irmã
Enquanto acompanhava o tratamento do marido, Lívia perdeu a irmã mais nova, Érica, de 18 anos, vítima de violência sexual.
“Foi o pior Natal da minha vida. Eu ia do hospital para o cemitério, sem entender como tudo podia mudar tão rápido”, lembra.
Mesmo com as limitações cognitivas, José ainda se recorda da cunhada. Para Lívia, é como se o amor pelas pessoas mais importantes tivesse permanecido guardado em algum canto da memória dele.
Rotina do casal
Hoje, o cotidiano do casal é conduzido por pequenos gestos. Lívia trabalha em sistema home office para poder cuidar de José, que precisa de auxílio para se alimentar, tomar água e se orientar no tempo.
“A Alexa toca de hora em hora para lembrá-lo de beber água. Eu brinco que ele é meu secretário”, conta.
A música tem um papel essencial. Mesmo sem lembrar de datas ou conversas, José canta músicas inteiras. “A memória musical ficou intacta”, diz ela.
Lívia reconhece que a relação mudou. Já não vivem como um casal, e ela diz enxergar o marido com o olhar de quem cuida de uma criança. Ainda assim, afirma que não pensa em se relacionar com outra pessoa.
“A psicóloga me disse uma coisa que nunca esqueci: É como se você vivesse o luto de uma pessoa que não morreu, e tivesse tido um filho no meio dessa história. E é exatamente isso”, relata Lívia.
Aos 30 anos, Lívia diz que aprendeu a viver um dia de cada vez. “O tempo é frágil demais pra fazer planos longos. Sinto falta do Zé de antes, mas amo o Zé de hoje também, com seu jeito leve, engraçado e puro. Enquanto Deus permitir, vou continuar cuidando dele com amor, fé e gratidão.”
Estagiária supervisionada pela editora Geovana Rodrigues.*
DIÁRIO DO NORDESTE








