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X-59: avião supersônico da NASA terá testes contra barulho extremo; veja explicação das etapas do projeto

Evando Moreira
Jornalista, fundador, editor, analista político.

Novo jato experimental da agência norte-americana não levará passageiros nem repetirá o luxo do lendário Concorde. Saiba como a missão quer provar, com dados objetivos e com a percepção de comunidades, que o voo supersônico sobre terra pode ser seguro e viável.

Por Roberto Peixoto, g1

O famoso Concorde, que cruzava o Atlântico em pouco mais de três horas, foi durante décadas o símbolo máximo da aviação supersônica.

Mas também se tornou sinônimo de excessos: bilhetes caríssimos, alto consumo de combustível e, sobretudo, o estrondo ensurdecedor que fez países proibirem voos acima de Mach 1 sobre áreas habitadas.

🔊 ENTENDA: Mach 1 é o nome dado à velocidade do som. Em condições normais, isso equivale a cerca de 1.235 km/h.

O jato franco-britânico voava quase sempre sobre o oceano, mas mesmo assim foi retirado de operação em 2003, selando o fim da era do supersônico.

Duas décadas depois, a NASA, a agência espacial norte-americana agora aposta em um caminho diferente.

Com o X-59 QueSST, um avião de linhas finas e nariz alongado, a agência norte-americana não quer repetir a saga comercial do Concorde, mas resolver o problema que barrou o voo supersônico sobre cidades: o barulho.

Isso porque o modelo foi projetado para voar acima da velocidade do som sem causar o estrondo típico dos supersônicos. Seu nariz alongado, asas inclinadas e motor no topo espalham as ondas de choque, que chegam ao solo como um leve “baque”, parecido com o som de uma porta de carro se fechando.

O X-59. — Foto: Arte/g1 - Thalita Ferraz

O X-59. — Foto: Arte/g1 – Thalita Ferraz

O projeto acaba de passar da fase de fabricação e testes em solo e passa para o primeiro ciclo de voos experimentais ainda este ano, que começam na Califórnia.

“Chamar o X-59 de ‘filho do Concorde’ distorce e minimiza o propósito da missão”, diz ao g1 Peter Coen, gerente de integração da missão Quesst.

Motor do X-59 ilumina o céu durante teste noturno na Califórnia. — Foto: Lockheed Martin/Gary Tice

Motor do X-59 ilumina o céu durante teste noturno na Califórnia. — Foto: Lockheed Martin/Gary Tice

Para ele, a comparação não se sustenta: “O Concorde foi um jato comercial de primeira geração, marcado por um boom sonoro intenso. O X-59, por sua vez, é uma aeronave de pesquisa projetada para enfrentar o desafio do ruído. Em vez de um estrondo, ele produz um baque que lembra mais um trovão distante.”

Por isso, a aposta é que esse som, descrito pela NASA como um “sussurro supersônico”, seja tolerável para comunidades inteiras.

Para provar isso, o projeto inicia em breve uma fase decisiva: os primeiros voos de teste.

A NASA não divulgou uma data específica, mas nesse momento, eles devem acontecer nas redondezas do Armstrong Flight Research Center, centro da NASA dedicado a pesquisas de voo que fica na Base Aérea Edwards, uma instalação no deserto da Califórnia, conhecida por ser palco de grandes marcos da aviação, como o primeiro voo supersônico do mundo.

Ali, o espaço aéreo amplo e controlado oferece segurança para ensaios experimentais do tipo.

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Somente depois dessa fase em ambiente controlado é que o X-59 passará a sobrevoar cidades selecionadas pela NASA.

E a escolha desses locais não é aleatória: a agência quer testar diferentes cenários urbanos para entender como o som se espalha em condições reais, entre prédios, casas e áreas abertas.

Nessas comunidades, os voos acontecerão em horários programados, previamente comunicados aos moradores, para que todos saibam quando a aeronave passará.

Ao todo, Coen explica que a experiência terá dois eixos principais. De um lado, a percepção humana: moradores serão convidados a relatar como sentiram o barulho, se ele incomodou ou se soou apenas como um trovão distante.

De outro, a medição técnica: sensores instalados em vários pontos do solo vão registrar com precisão a intensidade e a propagação do ruído.

Com isso, a NASA afirma que quer reunir um retrato fiel de como é a experiência de viver sob a passagem de um avião supersônico que promete ser silencioso.

“É voando sobre comunidades que reuniremos os dados que são a meta da missão”, explica o também engenheiro aeroespacial e piloto.

Simulação do X-59 em voo supersônico mostra como a aeronave foi projetada para transformar o estrondo sônico em um som suave, quase imperceptível no solo. Na imagem, as cores representam a pressão do ar: azul para áreas mais baixas e vermelho para regiões de maior intensidade. — Foto: NASA/James C. Jensen

Simulação do X-59 em voo supersônico mostra como a aeronave foi projetada para transformar o estrondo sônico em um som suave, quase imperceptível no solo. Na imagem, as cores representam a pressão do ar: azul para áreas mais baixas e vermelho para regiões de maior intensidade. — Foto: NASA/James C. Jensen

A porta que a Nasa quer abrir

Coen garante que todos esses dados não vão ficar restritos à NASA.

A intenção da agência, segundo ele, é tornar as informações públicas, de modo que autoridades como a Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, e organismos internacionais de aviação civil possam avaliar os novos padrões.

Hoje, os supersônicos são proibidos de ultrapassar a velocidade do som sobre áreas povoadas.

Assim, se a missão Quesst tiver sucesso, esse limite pode ser trocado por uma regra inédita: em vez de velocidade máxima, um limite de ruído aceitável.

O próprio nome da missão ajuda a entender esse objetivo: Quesst é a sigla em inglês para Quiet SuperSonic Technology, algo como “tecnologia supersônica silenciosa”.

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E essa é a “porta” que a NASA pretende abrir: um novo marco regulatório que permita que fabricantes privados desenvolvam jatos viáveis sem repetir os erros do passado.

A comparação com o Concorde, contudo, ajuda nesse ponto a entender o que está em jogo.

O supersônico comercial dos anos 1970 foi uma façanha tecnológica, mas também um fracasso econômico: consumia combustível em excesso, tinha manutenção complexa e nunca conseguiu se expandir para além de uma elite de rotas.

O X-59, por outro lado, não transportará passageiros nem servirá a companhias aéreas.

Ele foi concebido como uma ferramenta científica de convencimento político: provar, com dados objetivos e com a percepção real de comunidades, que o voo supersônico sobre terra pode ser seguroeficiente tolerável.

Coen lembra que o ruído é apenas uma parte do quebra-cabeça. “A pesquisa da NASA mira três grupos de barreiras”, afirma.

“Ambientais, que incluem não só o boom, mas também o ruído de aeroportos e as emissões em solo e em altitude. De eficiência, como o alto consumo de combustível, o peso e a complexidade de manutenção. E operacionais, que envolvem a integração desses aviões ao espaço aéreo ocupado por jatos comerciais subsônicos, além da necessidade de novas regulações claras”.

Na fábrica da Lockheed Martin, o nariz do X-59 é preparado para testes; é ele que ajuda a transformar o boom em um simples “baque distante”. — Foto: Lockheed Martin

Na fábrica da Lockheed Martin, o nariz do X-59 é preparado para testes; é ele que ajuda a transformar o boom em um simples “baque distante”. — Foto: Lockheed Martin

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Como serão os testes

Entre outubro de 2024 e janeiro de 2025, a NASA completou com sucesso três fases de testes do motor F414-GE-100 modificado que equipa o X-59.

Os testes incluíram verificação de vazamentosavaliação de potência máxima validação da resposta instantânea do motor.

Em julho de 2025, o X-59 fez seus primeiros testes de taxiamento, movendo-se pela primeira vez sob sua própria propulsão na pista da fabricante da aeronave, a Lockheed Martin, em Palmdale, na Califórnia.

Mas o primeiro voo será conservador: terá aproximadamente uma hora de duração, percorrerá 386 km/h 3.600 metros de altitude, partindo de Palmdale e pousando no Armstrong Flight Research Center.

De forma geral, o programa está estruturado em três fases:

  • Fase 1 (2025): Realização dos primeiros voos em ambiente controlado na Base Edwards e no Centro Armstrong. É nesse etapa que haverá um aumento gradual da velocidade do modelo até ele alcançar o voo supersônico.
  • Fase 2 (2026): Validação acústica em campo de testes restrito, com medições detalhadas para confirmar se o X-59 realmente produz o “sussurro supersônico” previsto.
  • Fase 3 (2026-2028): Testes sobre comunidades selecionadas, com coleta de dados sobre percepção humana e medições técnicas de ruído.
Modelo em escala do X-59 é testado em túnel de vento pela NASA para reduzir o ruído dos voos supersônicos. — Foto: NASA Glenn Research Center/Quentin Schwinn

Modelo em escala do X-59 é testado em túnel de vento pela NASA para reduzir o ruído dos voos supersônicos. — Foto: NASA Glenn Research Center/Quentin Schwinn

Mas apesar dos avanços, o Quesst vem enfrentando custos crescentes e atrasos nos últimos meses.

O orçamento total da empreitada já chega a US$ 838,6 milhões (cerca de R$ 4,5 bilhões), um aumento de 80% em relação à estimativa inicial de 2018.

E os obstáculos foram variados. Em testes estruturais, surgiram problemas de controle de voo que precisaram ser resolvidos e a própria montagem do X-59 se mostrou desafiadora por reunir peças originalmente criadas para diferentes aeronaves, o que aumentou a complexidade da integração.

Fora isso, a pandemia acrescentou mais atrasos ao comprometer a cadeia de suprimentos de peças e equipamentos.

Agora estamos em um momento muito empolgante para o X-59 e para a missão Quesst. Estamos prestes a passar da fase de fabricação e testes em solo para a etapa de voo.

— Peter Coen, gerente de integração da missão Quesst.

Ao longo das próximas fases, o X-59 deve acumular voos e medições até que um quadro robusto de dados esteja disponível para análise pelos reguladores internacionais.

A NASA, contudo, não promete bilhetes mais baratos nem conexões entre Nova York e Tóquio em poucas horas (em tese, o X-59 é tão rápido que poderia fazer esse percurso em cerca de três horas e 44 minutos).

Mas várias empresas privadas também disputam espaço nesse novo capítulo da aviação e já anunciaram projetos de jatos supersônicos comerciais, na expectativa de que os testes do X-59 ajudem a flexibilizar as regras atuais.

Concepção artística mostra o X-59 em sua configuração final, após anos de pesquisa e design da NASA e da Lockheed Martin. — Foto: Lockheed Martin

Concepção artística mostra o X-59 em sua configuração final, após anos de pesquisa e design da NASA e da Lockheed Martin. — Foto: Lockheed Martin

A Boom Supersonic, considerada a mais ambiciosa do setor, vem desenvolvendo por exemplo o Overture, avião projetado para levar entre 65 e 88 passageiros em rotas transoceânicas.

A promessa da empresa é reduzir o tempo de viagem pela metade em trechos como Nova York–Londres, apostando em parcerias com companhias aéreas e em contratos de pré-venda que já somam dezenas de unidades.

Outra concorrente é a Spike Aerospace, que tem um perfil mais voltado ao mercado executivo. O projeto da empresa, o S-512, prevê um jato de luxo para até 12 passageiros, com foco em empresários e autoridades.

Outras companhias, como a Aerion, que encerrou as operações em 2021, também chegaram a investir no setor.

Todas essas iniciativas, no entanto, dependem de um mesmo fator: os resultados do X-59.

Vista da entrada de ar do motor do X-59, posicionada no topo da fuselagem para ajudar a reduzir o impacto do estrondo supersônico. — Foto: Lockheed Martin

Vista da entrada de ar do motor do X-59, posicionada no topo da fuselagem para ajudar a reduzir o impacto do estrondo supersônico. — Foto: Lockheed Martin

Sem os dados de ruído e impacto social que a missão Quesst pretende fornecer, será difícil convencer reguladores a derrubar uma norma que vigora há mais de 50 anos e que proíbe voos supersônicos sobre áreas terrestres nos Estados Unidos e em boa parte do mundo.

No Brasil, voos supersônicos sobre cidades e áreas habitadas são proibidos, salvo em missões militares ou operações autorizadas de forma especial. A restrição é baseada no Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/1986) e em normas complementares fiscalizadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).

E apesar dos avanços tecnológicos, o programa do X-59 também enfrenta críticas relacionadas ao impacto ambiental potencial de toda essa aviação supersônica comercial em um futuro próximo.

Pesquisas indicam que aeronaves do tipo consomem entre 4 a 9 vezes mais combustível por quilômetro-passageiro do que aeronaves subsônicas.

Além disso, voar a altitudes superiores a 15.000 metros (contra 9.000 a 12.000 metros dos aviões convencionais) amplifica os efeitos climáticos das emissões.

Coen reconhece essas preocupações, mas enfatiza que a NASA está investindo em pesquisa de combustíveis sustentáveis e tecnologias de eficiência energética.

A partir daí, caberá à indústria privada decidir se haverá mercado viável para uma nova geração de supersônicos.

“Embora o foco atual da NASA seja na barreira para voo supersônico silencioso sobre terra, fizemos avanços significativos nessas outras barreiras no passado e ainda estamos conduzindo pesquisas”, conclui Coen.

O X-59, avião experimental da NASA, aparece na pista em Palmdale (EUA) ao nascer do sol, logo após receber a pintura final. — Foto: NASA/Steve Freeman

O X-59, avião experimental da NASA, aparece na pista em Palmdale (EUA) ao nascer do sol, logo após receber a pintura final. — Foto: NASA/Steve Freeman

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