Os telefones das assessorias de imprensa da Procuradoria-Geral da República e do Supremo Tribunal Federal (STF) dispararam na última quinta-feira. Circulava por Brasília um boato de que arquivos com as delações de 78 ex-funcionários da construtora Odebrecht haviam sido transferidos do primeiro órgão para o segundo. Era o primeiro passo necessário para que seus conteúdos se tornassem públicos, caso o ministro Edson Fachin decida, como se espera, derrubar o sigilo a pedido do procurador-geral, Rodrigo Janot. Até um cidadão, impaciente com a lentidão da confirmação pelos jornais, decidiu arriscar a sorte no canal de atendimento aos jornalistas. A confusão se originou porque, mais cedo, neste mesmo dia, o STF começou a recolher HDs (discos rígidos) de veículos de imprensa, a pedido dos próprios jornalistas, para que, se liberados, os documentos consigam chegar às Redações e ao público com mais facilidade. Brasília, já tensa, segurou a respiração.
O conteúdo das delações promete espalhar a crise gerada pelas investigações da Lava Jato para um amplo número de políticos importantes de Brasília e de diversos Estados. Há indícios de que caciques do PMDB, PT e PSDB foram implicados. E se espera que o Planalto de Michel Temer seja atingido com força. Diante de sua magnitude, o pacote de acordos ganhou o apelido de delação do fim do mundo.
Homologadas pela presidenta do Supremo, Cármen Lúcia, em 30 de janeiro deste ano, as delações estão nas mãos de Janot há pouco mais de 40 dias. São mais de 900 depoimentos, incluindo transcrições, áudios e vídeos. Inicialmente, o pacote incluía 77 nomes, mas o executivo Fernando Migliaccio, que estava preso na Suíça, entrou no acordo, elevando o número para 78. Com a enorme quantidade de material, o Supremo sugeriu, a pedido dos jornalistas, que os veículos de comunicação levassem ao local um HD de dois terabytes ou dois HDs de um terabyte cada, cada um deles capaz de armazenar algo como quatro dezenas de filmes em alta resolução ou 320.000 fotos, por exemplo. Até a última sexta-feira, 40 veículos de comunicação haviam deixado o material no órgão.
Apesar da ansiedade geral, nada aconteceu. Até às 18h de sexta, quando se encerra o expediente burocrático da Procuradoria-Geral da República, o material ainda não havia sido enviado para Fachin, responsável pela Lava Jato no Supremo desde a morte de Teori Zavascki, no início deste ano. A expectativa é que isso aconteça já nesta segunda. Além da quebra do sigilo do material, Janot deve pedir a abertura de inquéritos contra políticos suspeitos de corrupção, com base no que se apurou nos depoimentos. Ao receber as demandas, o ministro do STF terá que analisar o conteúdo das delações antes de tomar sua decisão. Ele pode manter em sigilo, por exemplo, falas que comprometam a investigação. Nos últimos dias, em ao menos duas ocasiões Fachin indicou que não tomará uma decisão apressada e ressaltou o tempo levado por Janot para analisar o material após a homologação de Cármen Lúcia. Queria explicar a complexidade da tarefa. Por isso, depois de o material chegar ao Supremo ainda deverá demorar ao menos alguns dias para que seu sigilo seja, de fato, levantado.
Além das demandas de Janot, Fachin também terá que analisar um pedido feito pelos advogados dos ex-funcionários da Odebrecht que firmaram os acordos. Eles querem que os áudios e os vídeos que constam na investigação não se tornem públicos. Na demanda, citam a Lei 12.850, de 2013, que regulamentou a delação premiada e prevê que o colaborador tem o direito a ter “nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados”. Pedem ainda que, caso não seja possível atender ao pedido totalmente, ao menos os vídeos fiquem de fora. Querem a imagem preservada, divulgando-se apenas os áudios e as transcrições. Com isso, evitariam posterior reconhecimento nas ruas e retaliações públicas aos delatores.
Enquanto a decisão não chega, o Congresso permaneceu nesta sexta-feira em silêncio. A maioria dos parlamentares já havia retornado para seus Estados, em um dia habitualmente sem sessão deliberativa. Pelos salões de carpetes verde e azul que marcam a Câmara e o Senado apenas visitantes circulavam. Era a calma que antecede a tormenta.
EL PAÍS