Fabrizio Mariotti tinha tudo para trilhar uma trajetória de vida parecida com a do pai. Logo que se formou em administração de empresas, com vinte e poucos anos, começou a trabalhar em uma multinacional da indústria siderúrgica. Ali era o lugar ideal para construir o que, até então, imaginava ser a fórmula do sucesso: fazer carreira, conquistar estabilidade econômica para formar uma família e construir um bom patrimônio. Pelo menos, esse tinha sido o caminho traçado pelo pai, que passou quase três décadas em uma mesma empresa internacional do setor automobilístico. Hoje, no entanto, aos 35 anos, esse retrato está longe de ser o da vida dele e da que imaginava quando era um recém-formado.
Prestes a ter a mesma idade do pai quando ele nasceu – seu pai tinha 37, e já tinha uma filha –, Fabrízio não pensa, por agora, em ter filhos nem em se casar e, tampouco, em comprar uma casa própria. Ele divide o aluguel com um amigo em uma área nobre de São Paulo, já passou por mais de cinco empregos, migrou para o mercado financeiro e, no ano passado, resolveu mudar os rumos da profissão outra vez. Fabrízio abriu o seu próprio negócio, uma produtora, em plena recessão econômica no Brasil. Também tem atuado como terapeuta corporal. “Os tempos mudaram bastante. As carreiras de longo prazo são mais raras e as pessoas estão mudando mais de profissão, indo atrás de seus propósitos. Na época dos meu pais, formar família cedo era uma prioridade e os preços para comprar uma casa, por exemplo, eram outros”, explica.
As constantes mudanças na vida de Fabrízio são fruto de uma inquietação sobre o que realmente o deixa feliz. “Venho ressignificando o que é sucesso profissional. Mesmo ganhando menos agora, tenho priorizado qualidade de vida, flexibilidade de horários, e algo que me faça bem e que não seja simplesmente ser parte de um todo que eu não me identifico”, explica.
Qualidade de vida para ele também significa ter tempo para o lazer, rodar quilômetros pelas estradas, carimbar várias folhas do passaporte, mesmo que, para isso, adie outras realizações. “Se tivesse poupado e não investido em várias viagens esses anos todos, talvez eu já tivesse comprado uma casa própria como meu pai fez na minha idade. Preferi optar por aproveitar a vida e me dar esse privilégio. Coisa que ele só faz hoje como aposentado ”.
A geração de Fabrízio também precisa lidar agora com a maior recessão econômica do Brasil desde 1930 e com o fim do quase pleno emprego no país. Atualmente, mais de 14 milhões de brasileiros estão em busca de trabalho. O futuro da aposentadoria deles também é bem mais incerto do que foi a dos pais. A iminente reforma da Previdência, em discussão no Congresso, possui regras mais rígidas e mais tempo de contribuição para receber o benefício integral. São eles que sentirão o maior impacto dessas mudanças.
“Acho que já não dá para contar com a aposentadoria pública com esse tamanho de rombo e as novas mudanças. Eu tenho alguns investimentos já pensando no futuro. Mas a maioria dos amigos da minha idade estão conseguindo apenas pagar as contas. É uma minoria que consegue ter reserva”, comenta Fabrízio.
Aos 30 anos, a carioca Tatiana Ramos tem um pouco menos de contas para pagar já que ainda mora com os pais e um irmão em Belo Horizonte. Apesar de pensar em ter uma casa própria e formar família, ela não tem pressa. Pesquisadora em uma empresa de recrutamento, ela quer esperar conquistar mais estabilidade profissional para dar o passo com segurança. Hoje ela tem exatamente a idade que a mãe e o pai tinham quando nasceu, mas realidades bem distintas. Naquela época, o casal já tinha outro filho e morava em uma casa custeada pela empresa de engenharia em que o pai de Tatiana trabalhava, na Zona Sul do Rio. A mãe, que é arquiteta, optou por parar a vida profissional para cuidar dos filhos. “Hoje em dia as mulheres não têm mais essa pressa em formar família antes dos 30, mesmo porque têm que conciliar com a vida profissional. E diferentemente da minha mãe, eu não me vejo sem trabalhar, mesmo quando tiver um filho. Amo muito o que faço”, explica.
Em 1986, quando Tatiana nasceu, a participação da mulher no mercado de trabalho era bem menor. Segundo dados do IBGE, na década de oitenta 26,64% da população feminina acima dos 10 anos era economicamente ativa. Em 2010, a participação das mulheres saltou para 48,88%. A idade média que as mulheres tinham o primeiro filho também era menor que a de hoje e o número de filhos também caiu de lá para cá. Na década de 80, a taxa de fecundidade era de 4,3 filhos. Atualmente, a brasileira, em média, não chega a ter dois filhos.
Na visão de Dado Shneider, doutor em comunicação e especialista em comportamento das gerações, os jovens têm adiado tanto a saída da casa dos pais como o momento de ter filhos, principalmente, por um simples motivo: o aumento da expectativa de vida. Segundo o IBGE, nos anos 70 a expectativa de vida era de 57,6 anos, em 2010 já era de 73,9. “Hoje quem tem 30 anos vai morrer perto dos cem. Logo vai querer ter filhos com quase 40 e, para isso, vai optar por casar com uns 35. É matemática. Os jovens estão alongando tudo”, explica.
Claro que pesam no comportamento da atual geração de jovens diversos outros motivos subjetivos. Shneider ressalta que as prioridades foram se transformando ao longo das décadas. “Na geração dos pais dos jovens de hoje o sucesso era ter casa própria e família. Mas quem tem 30 hoje não quer ser dono de nada. Não tem afã por uma casa própria, pois quer mobilidade. Hoje o mundo é pequeno e possível, você pode pleitear uma vaga de emprego em Singapura”, explica.
Na opinião do especialista, a pessoa que morava com os pais depois dos trinta era exceção, e hoje já é mais comum. Embora já tenham algum tipo de renda, um a cada quatro jovens – de 25 a 34 anos – ainda vive com a família, é a chamada “geração canguru”. “Não acho errado é apenas fruto do nosso tempo. Antes havia uma necessidade de sair de casa para ter liberdade, hoje já não é assim. Muitos preferem prolongar o tempo com os pais para manter um padrão de vida que não conseguiriam sozinhos. Antes os pais também induziam mais os filhos a saírem”, diz.
Um dos motivos que faz esses jovens continuarem com a família é o prolongamento dos estudos. Segundo o estudo Síntese de Indicadores Sociais (2016), do IBGE, os brasileiros de até 34 anos que moram com os pais tendem a ser mais escolarizados do que aqueles com a mesma faixa etária que moram sozinhos. Recém-formada em jornalismo, Daniela Belamirno, de 23 anos, deve deixar a casa dos pais em Susano, na grande São Paulo, nos próximos meses. A saída, no entanto, é parcial. Ela vai fazer um intercâmbio de meio semestre para aprimorar o conhecimento da língua inglesa. “Depois volto para casa. Ainda sou totalmente dependente deles”, conta.
Aos 23 anos, a mãe de Daniela também morava com os pais, mas era mãe. Solteira, já tinha uma escola de dança que a ajudou a sustentar a filha. “Como ela sempre ouviu que tinha que se virar cedo, trabalhou cedo e conseguiu se realizar profissionalmente mais cedo. Essa era a prioridade”, explica. No caso de Daniela, não há essa pressão de “resolver a vida” o mais rápido possível. “Eles não me mimam, mas estão felizes de poder investir na minha educação e poder dar uma base melhor para conseguir o meu futuro de forma sólida”, ressalta.