A decisão da Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) que transformou o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) em réu abre o caminho para interditar um dos principais atalhos que a classe política quer pegar para se livrar de condenações no âmbito da Operação Lava Jato.
Pode, se confirmado em julgamento mais à frente, ser um marco na cronologia da operação que mudou de lugar as placas tectônica da política brasileira desde que irrompeu, em 2013.
Ao julgar nesta terça (7) que Raupp pode ser processado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro por ter recebido legalmente dinheiro de uma construtora que caiu na malha da Lava Jato, a turma de ministros que cuida dos casos da operação sinaliza a validação da tese central da investigação tocada em Curitiba.
Raupp recebeu em sua campanha de 2010 R$ 500 mil da construtora Queiroz Galvão, “por dentro”, no caixa oficial. Segundo a apuração, a Queiroz desviou recursos de obras da Petrobras com ajuda de um dos então diretores da estatal e de um doleiro. Depois, um operador intermediou o pagamento lícito, direcionando os depósitos.
Esta sofisticação é pilar do petrolão, que foi desvelada ao longo do trabalho do Ministério Público Federal e Polícia Federal sob o comando da Justiça Federal. Como o dinheiro voltava em forma de dinheiro legal para o partido amigo do Planalto à época, no caso de Raupp o PMDB-RO, era impossível traçar sua origem como propina. Por fora, vários envolvidos no processo também levavam algo, conforme as investigações.
Desde 2014, políticos do antigo condomínio governista sob o PT repetiam que era preciso “separar o joio do trigo”, já que seria impossível para acusados saber que o dinheiro que entrou em sua campanha era oriundo de propina. Era um discurso uniforme: “Como eu ia saber que o dinheiro era frio? Desde quando dinheiro vem com carimbo?”, ouvi algumas vezes.
Só que até aqui as investigações vêm apontado no mínimo conhecimento dos acusados do esquema em questão, quando não participação ativa. No caso de Raupp, por exemplo, a Procuradoria-Geral da República identificou contatos entre o senador e o operador peemedebista Fernando Baiano na época das transações. O senador nega qualquer irregularidade.
De seu lado, quem era da oposição na gestão do PT pode dizer que, como não tinha influência sobre a Petrobras, não teria como fazer parte de um conluio no qual não ofereceria nada em troca ou do qual nada poderia saber a natureza de sua operação. Faz sentido retórico, mas precisa ser apurado.
Isso também não escamoteia o fato de que as empreiteiras doavam por perspectiva de poder. É notório que candidatos a oposição a presidente sempre ganharam fortunas na campanha de empresários interessados em boas relações e outras coisas em caso de vitória. Fora o caixa dois.
Nas últimas semanas, a “teoria do joio e do trigo” foi repaginada para uma versão 2017, figurino usado principalmente por políticos do PSDB -mas em um formato que une praticamente toda a classe política. Ela trata dos famigerados “pagamentos não contabilizados”, o caixa dois.
Ambos os lados trabalham para que a prática seja transformada em crime pelo Congresso, logo não passível de punição por eventos passados como toda tipificação penal nova. Com isso, tentam isolar acusações de lavagem de dinheiro e corrupção, hoje associadas à prática. E poderiam bradar que “apenas” cometeram um crime que não pode ser punido, o “trigo” em contraposição ao “joio” de estar envolvido diretamente no petrolão.
Esta questão não é afetada pela decisão desta terça, que de todo modo não tem nada de definitiva: é a transformação de Raupp em réu, que ainda será julgado por isso. Mas é uma indicação de que parte do caminho para atenuar a vida dos envolvidos no petrolão pode estar interditada.
No caso do caixa dois, será precisa muita engenhosidade para convencer a plateia da “teoria do joio e do trigo” versão 2017. É necessário mais do que ingenuidade para comprar a ideia de que um partido aceitou dinheiro ilegal e não perguntou sobre sua origem.
Além disso, parece improvável que o Supremo mexa num vespeiro desses quando os interesses são tão claros. Se dobrou-se à “vox populi” quando proibiu doações privadas a campanhas em vez de regulá-las, estimulando novas modalidades de caixa dois, será curioso se resolver enfrentar a opinião pública quando a causa não é exatamente defensável. Será um bom teste para a nova composição do plenário, se o tema chegar até lá.
A esta altura, contudo, mesmo o sucesso na manobra parece ser mais um detalhe: qualquer político que tenha o recebimento de dinheiro por fora das empreiteiras da Lava Jato confirmado está automaticamente condenado no tribunal das urnas, pareça isso justo ou não.