Por três votos a dois, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) mandou soltar nesta terça-feira (2) o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu. Condenado duas vezes na Operação Lava Jato, o petista está preso em Curitiba desde agosto de 2015.
Votaram a favor da soltura de Dirceu os ministros:
- Dias Toffoli
- Ricardo Lewandowski
- Gilmar Mendes
Votaram contra:
- Edson Fachin (relator da Lava Jato)
- Celso de Mello
Com a decisão, a Segunda Turma acolheu o pedido de liberdade apresentado pela defesa de Dirceu para revogar a ordem de prisão decretada pelo juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância da Justiça Federal.
Agora, o STF deverá enviar um mandado de soltura a Moro, a quem cabe comunicar a decisão ao Complexo Médico Penal em Pinhais, onde o ex-ministro está encarcerado.
Os ministros recomendaram a Moro que adote medidas alternativas à prisão — como monitoramento por tornozeleira eletrônica — que evitem risco de cometimento de novos crimes.
Caberá ao juiz definir tais medidas, que também podem incluir proibição de contato com outros investigados e se apresentar periodicamente à Justiça, por exemplo.
Em duas sentenças de Moro, Dirceu foi condenado a mais de 31 anos de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Mas, antes disso, ele já estava cumprindo prisão preventiva (sem prazo determinado), desde agosto de 2015, sob a alegação de que havia risco de cometimento de novos crimes.
O entendimento do STF, no entanto, é que já não há risco de cometimento de novos delitos e que, agora, a prisão só poderá ser efetivada se Dirceu for condenado na segunda instância – no caso, em um julgamento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que ainda não tem data para acontecer.
Um pedido de liberdade antes do julgamento definitivo na segunda instância já tinha sido negado pelo próprio TRF-4 e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). No ano passado, o ministro Teori Zavascki, que era relator da Lava Jato no STF, também negou a soltura do ex-chefe da Casa Civil.
Voto do relator Edson Fachin
Sucessor de Teori na relatoria do caso no Supremo, o ministro Edson Fachin disse que, ao votar contra a soltura do petista, estava levando em conta a “gravidade concreta” dos crimes imputados a Dirceu e também sua “reiteração delituosa”. Ele entendeu haver risco de cometimento de novos crimes.
Fachin lembrou da ordem de prisão proferida por Sérgio Moro, que enxergava “indícios de profissionalismo e habitualidade” na prática de crimes pelo ex-ministro. Assim, a prisão seria necessária para “manutenção da ordem pública”, de modo a evitar novos delitos.
Ele também chamou a atenção para o suposto pertencimento de Dirceu a organização criminosa, o que segundo ele, é caracterizada por “estabilidade e permanência”. “A envergadura lesiva dos delitos contra a administração pública também admite a medida extrema”, afirmou o ministro, falando da “gravidade do crime” de que é acusado Dirceu.
Fachin lembrou que o ex-ministro é suspeito de receber R$ 10 milhões da construtora Engevix em razão de contrato com a Petrobras. “O montante não apenas impressiona. São cifras que sinalizam a gravidade concreta das imputações. A imensa lucratividade fortalece em tese a necessidade de medida cautelar”, disse o ministro.
Por fim, o ministro contestou o argumento da defesa de “excesso de prazo” na prisão preventiva. Ele disse que a complexidade do caso justifica a medida. “Estamos aqui nesse caso a tratar da singularidade do colarinho branco”, afirmou.
Voto de Dias Toffoli
O primeiro a votar a favor da soltura de José Dirceu foi o ministro Dias Toffoli. Em meio ao voto, o magistrado chamou a atenção para a duração da prisão preventiva do ex-ministro – decretada antes da condenação – que já dura 1 ano e 8 meses.
Toffoli argumentou que falta “atualidade” dos atos imputados a Dirceu, lembrando que o último pagamento que recebeu ocorreu 1 ano antes de sua prisão.
“Não há sequer a contemporaneidade, como o potencial delitivo desse grupo não está mais no poder”, ponderou o magistrado.
O ministro também ressaltou a “presunção de inocência”, observando que Dirceu ainda não foi condenado pela segunda instância, que pode, inclusive, vir a absolvê-lo.
“Estamos a julgar a necessidade da prisão preventiva apenas com decisão em primeira instância. O TRF-4 [segunda instância]já deu provimento absolvendo réu que fora condenado pela 13ª Vara [de Sérgio Moro]que permanecera preso por muitos anos, por muito tempo. Já se absolveu e não é um caso único”, afirmou o ministro.
O ministro considerou que ainda existe risco na liberdade, mas que, neste caso, pode ser mitigado pela aplicação de medidas cautelares, como monitoramento eletrônico e recolhimento domiciliar, que poderiam ser fixadas pelo juiz Sérgio Moro.
Voto de Ricardo Lewandowski
Segundo a votar pela soltura, Ricardo Lewandowski também entendeu que medidas do tipo seriam “adequadas e suficientes” para garantir que Dirceu não volte a delinquir, preservando assim, sua presunção de inocência.
“Não se pode atribuir ao paciente a demora em seu julgamento, nem lhe negar o direito de defesa que a lei lhe assegura […] A verdade é que já se vão quase dois anos de prisão cautelar, sem que haja sequer previsão de julgamento pelo TRF-4, não se podendo impor ao paciente que aguarde preso indefinidamente pela decisão de segunda instância”, disse o ministro.
Ao final, o ministro sugeriu que o STF determine que o TRF-4 julgue com celeridade o recurso de Dirceu, para uma decisão em segunda instância que permita a prisão ou a absolvição de Dirceu.
Voto de Celso de Mello
Único a acompanhar Fachin, Celso de Mello leu longo voto com duras críticas ao esquema de corrupção montado na Petrobras e revelado pela Operação Lava Jato.
Depois, rejeitou argumentos da defesa que alegaram fim da coleta de provas e excesso de prazo na prisão.
“Não fosse a ação rigorosa, mas necessária do Poder Judiciário, é provável que corrupção e lavagem estivessem perdurando até o presente momento. Quer sejam violentos ou não, a prisão justifica-se para interrompê-los, para proteger a sociedade de sua reiteração”, afirmou.
Ele ratificou entendimento do STJ que negou ao ex-ministro a aplicação de medidas alternativas e chamou a atenção para o fato de que ele já havia sido condenado no julgamento do mensalão.
Voto de Gilmar Mendes
Coube ao ministro Gilmar Mendes, presidente da Segunda Turma, o voto decisivo para soltar Dirceu, quando o placar era de dois ministros favoráveis à prisão e dois pela soltura.
O magistrado reconheceu a gravidade dos crimes investigados na Lava Jato, mas advertiu para o possível erro de juízes ao cederem à pressão popular, citando o jurista italiano Gabriel Zagrebelsky, critico à forma como os judeus condenaram Jesus Cristo à morte.
“Não podemos nos ater, portanto, à aparente vilania dos envolvidos para decidir acerca da prisão processual. E isso remete à própria função da jurisdição em geral, da Suprema Corte em particular. A missão de um tribunal como o Supremo é aplicar a Constituição, ainda que contra a opinião majoritária”, disse Gilmar Mendes.
Assim como Toffoli e Lewandowski, Mendes recomendou que Moro adote medidas alternativas à prisão, como monitoramento eletrônico.
Por fim, disse que, apesar de Moro ter “corretamente identificado” risco de novos crimes, não há mais perigo atual na liberdade de Dirceu, considerando que o grupo político a que pertence já deixou o poder.
Defesa
No pedido de liberdade, a defesa de José Dirceu negou a acusação de que vários pagamentos efetuados por empreiteiras à empresa de consultoria do ex-ministro fossem propina.
O criminalista Roberto Podval alegou aos ministros do STF que, mesmo os pagamentos realizados após o julgamento do mensalão do PT, se referiam a serviços de consultoria prestados anteriormente.
“Toda vez que saio daquela prisão gélida de Curitiba, me pergunto: Qual a razão desse homem de 70 anos estar preso há aproximadamente 2 anos?”, enfatizou o defensor de Dirceu na tribuna da Segunda Turma.
Sobre a possibilidade de Dirceu atrapalhar as investigações, Podval disse que a vida do ex-ministro já foi “devassada” e que a coleta de provas nas ações que responde já foi encerrada. O criminalista destacou ainda que quando o petista foi preso aguardou em casa sem apresentar qualquer risco de fuga.
O advogado também rechaçou a acusação de que o ex-ministro tenha voltado a delinquir após sua condenação no mensalão do PT, citando uma decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que concedeu o perdão da pena de Dirceu por ausência de falta grave.
“A prisão do José Dirceu, a condenação, o trânsito em julgado na ação 470 [mensalão do PT] foi suficiente para cessar qualquer ato criminoso que porventura possa ter ocorrido. A força política que poderia ter José Dirceu enquanto o PT estava no poder é hoje inexistente. Hoje é um homem com mais de 70 anos absolutamente fora de qualquer nível de poder. Imaginar que pudesse ter qualquer influência hoje, dada a atual conjuntura de poder, me parece absolutamente impossível”, afirmou Podval.
Por fim, afirmou que a apresentação de uma nova denúncia nesta terça pelo Ministério Público seja “talvez” uma tentativa de intimidar a defesa e o próprio STF. Segundo o advogado, os procuradores já tinham as informações sobre o caso há pelo menos 2 anos, mas decidiram apresentar a nova acusação justamente na data de julgamento do habeas corpus.
“O poder do MP é tão grande que não se pode trabalhar com essa irresponsabilidade. Não é ético, correto e leal”, disse Podval.
Acusação
Representando o Ministério Público, favorável à prisão, o subprocurador-geral da República Edson Oliveira de Almeida lembrou da acusação de que José Dirceu tinha ascendência política sobre o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, citando diversos pagamentos de empreiteiras supostamente beneficiadas em contratos com a diretoria.
“São 15 eventos desse tipo de 2009 a 2014, mostrando a continuidade da corrupção”, afirmou. Ele argumentou que, mesmo com o entendimento de que a prisão só seja possível após uma condenação em segunda instância, Dirceu deve continuar na cadeia pela sua “periculosidade”.
“A presunção de inocência fica fragilizada pela sentença condenatória e a prisão preventiva necessária pela periculosidade do paciente, que continua durante e mesmo após a condenação no mensalão pelo STF. Ele continua praticando [crimes]pela certeza de impunidade”, completou o subprocurador.
Ele disse haver jurisprudência consolidada na Corte de que não é razoável supor que baste uma condenação em primeira instância para fazer cessar a prisão preventiva. “Tudo conduz à necessidade de manutenção dessa prisão”, repetindo os riscos de uma eventual soltura.
Nova denúncia
Os procuradores da República que atuam na força-tarefa da Lava Jato em Curitiba afirmaram na manhã desta terça, em entrevista coletiva na capital paranaense, que decidiram antecipar a apresentação da nova denúncia contra Dirceu devido ao julgamento do habeas corpus do petista.
Coordenador da força-tarefa, o procurador Deltan Dallagnol disse aos jornalistas que a eventual liberdade do ex-ministro representaria um “grande risco à sociedade”.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), Dirceu recebeu R$ 2,4 milhões em propina antes, durante e depois do julgamento do mensalão do PT (leia a íntegra da denúncia).
Em entrevista coletiva concedida na capital paranaense para apresentar a nova denúncia contra Dirceu, os procuradores da República mostraram que os últimos depósitos de propina ocorreram depois da prisão de Dirceu, ordenada pelo Supremo por conta da condenação no julgamento do mensalão do PT, em 2013.
De acordo com o MPF, os pagamentos ao ex-ministro só cessaram com a prisão do dono da construtora UTC, Ricardo Pessoa, em 2014. Um dos delatores da Lava Jato, o empresário contou que Dirceu ofereceu ajuda para inserir a empreiteira em países da América Latina e na Espanha porque tinha acesso político à cúpula dos governos.
Ao final do julgamento desta terça n o Supremo, o ministro Gilmar Mendes criticou o anúncio da nova denúncia do Ministério Público Federal no Paraná no mesmo dia em que o STF julgaria o pedido de liberdade.
“Foi uma brincadeira quase juvenil. São jovens que fazem esse tipo de brincadeira. Se nós cedêssemos a esse tipo de pressão, o Supremo deixaria de ser Supremo. Não cabe a procurador da República pressionar o STF, seja pela forma que quiser. É preciso respeitar as linhas básicas do Estado de Direito. Quando quebramos isso, estamos semeando um viés autoritário. É preciso ter cuidado com esse tipo de prática”, afirmou o ministro.