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Reservatórios de Paes não evitam enchentes. “Obra política e não técnica”, diz especialista

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Jornal do BrasilFelipe Gelani *

As fortes chuvas desta semana, no Rio de Janeiro, colocaram na berlinda mais uma obra da gestão do ex-prefeito Eduardo Paes (PMDB). Os reservatórios instalados nos bairros da Tijuca e do Maracanã custaram R$ 460 milhões aos cofres públicos, mas não deram conta do grande volume de água que inundou as ruas dos bairros. “O projeto tem vários problemas hidráulicos”, afirmou o professor de Engenharia Sanitária da Uerj Adacto Ottoni.

Ottoni explica que o projeto não levou em consideração o lixo que acompanha as águas das chuvas. Ele é puxado para o piscinão e prejudica o escoamento. “O principal problema é a grade que colocaram sobre o reservatório, que impede a água de escoar com o acúmulo dos resíduos. Essas enchentes são uma tragédia anunciada se nada for feito”, destacou.

No entanto, segundo Ottoni, esse não é o único problema da obra. “Entra lixo e esgoto no reservatório e a bomba não consegue tirar toda a água que fica armazenada após as chuvas. A água fica empoçada, o que atrai mosquitos, moscas, ratos… Além de tudo é um problema sanitário”, acrescentou, lembrando o risco de proliferação de doenças trazidas pela instalação.

Para o professor, com a metade do valor gasto nos piscinões poderiam ser realizadas obras mais eficazes do que os reservatórios. “Foi uma obra muito mais política do que técnica. Quem começou esse tipo de intervenção foi o [Paulo] Maluf, em São Paulo. O piscinão é o tipo de obra grande que político gosta”, criticou.

Eduardo Paes na inauguração do reservatório da Praça Varnhargen
Eduardo Paes na inauguração do reservatório da Praça Varnhargen

A ineficácia da obra também já foi percebida pelos moradores da região após as últimas chuvas. “Estou aqui há 32 anos e já peguei mais de mil enchentes. Depois que construíram o piscinão achei que nunca mais ia encher. Mas em um só dia aconteceram três enchentes”, relatou João Batista de Souza, dono de um bar na área mais afetada pelo alagamento.

“Quando cheguei no bar estava todo cheio de lama. Perdi os congeladores das bebidas. Até minha lixeira a água levou. O piscinão que fizeram ali foi obra de criança”, criticou.

Paulo César, proprietário de uma oficina mecânica na rua Deputado Soares Filho, contou que ela “virou um rio” durante a última chuva. “Eu achava que aquele piscinão nem estava funcionando!”, ressaltou, se referindo ao reservatório da Praça Varnhargen, na Tijuca, inaugurado em junho de 2016 pelo então prefeito do Rio, Eduardo Paes.

Na época de inauguração do último reservatório, Paes chegou a afirmar que a obra era um “legado olímpico”: “A prefeitura do Rio vai entregar todas as obras que assumiu como legado da Olimpíada e isso nos orgulha muito. O objetivo desse sistema […], é justamente esse [acabar com as inundações]”, afirmou na época.

O reservatório de águas pluviais da Praça Varnhargen foi o último a ser inaugurado dos cinco que fazem parte do Programa de Controle de Enchentes da Grande Tijuca, e tem capacidade de armazenar até 43 milhões de litros d’água. O projeto também incluiu a construção de piscinões – como são popularmente conhecidos – nas praças da Bandeira e Niterói, na mesma região da cidade, além de obras de canalização e de desvio do Rio Joana.

O valor final da obra superou em mais de R$ 100 milhões seu orçamento original, de R$ 350 milhões, mesmo com um dos reservatórios não saindo do papel: o que seria implantado na Rua Heitor Beltrão, com capacidade para 70 milhões de litros d’água, que era considerado estratégico para o sucesso da empreitada nos planos do projeto.

As obras públicas foram realizadas pelas construtoras Mendes Júnior e OAS, ambas envolvidas em esquemas de corrupção investigados pela Operação Lava Jato.

Paes na inauguração. Obras de reservatórios superaram em mais de R$ 100 milhões valor original
Paes na inauguração. Obras de reservatórios superaram em mais de R$ 100 milhões valor original

Para o professor Ottoni, com o orçamento inicial para os piscinões poderiam ser realizadas obras que, na visão dele, seriam muito mais eficazes para evitar as enchentes nos bairros da Tijuca e Maracanã.

“Precisamos recuperar a bacia hidrográfica nessas áreas, através de algumas medidas como garantir o recolhimento do lixo na encosta das favelas, construção de pequenas e médias barragens nos morros, remoção de casas em áreas de risco e reflorestamento das mesmas, instalação de parques que reduzam a impermeabilidade do solo urbano. Tudo isso aniquila em 70%, 80% o risco de enchente. Com R$ 300 milhões dava para fazer tudo isso que estou falando”, explicou.

No entanto, o professor não considera um reservatório algo totalmente desnecessário para conter as águas pluviais, mas defende que eles deveriam ser diferentes dos que foram construídos no Rio. “Acho que o reservatório seria necessário, mas não com os 30 metros atuais, e sim com cinco metros, o que seria muito mais barato e complementaria as outras medidas”, detalhou.

“Observando os piscinões instalados há anos em São Paulo você percebe que ele está totalmente assoreado. Com a proliferação de insetos e animais eles ainda se tornam um vetor de doenças. Problema de enchente não é da natureza. É um problema de gestão mal feita na área de águas urbanas. Temos de responsabilizar os órgãos de gestão. Chuvas intensas são normais no Rio”, concluiu o professor Ottoni.

* do projeto de estágio do JB

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