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Randolfe Rodrigues: “Que legitimidade tem este Congresso para mudar a Previdência? Zero”

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O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), de 44 anos, é uma espécie de Dom Quixote do Parlamento. Em uma Casa Legislativa onde o presidente, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), e mais ao menos uma dezena de colegas são investigados pela Operação Lava Jato – e tentam como podem salvar seus pescoços —, ele quer acabar com o foro privilegiado. Como que investido do idealismo do personagem do romance de Miguel de Cervantes, Rodrigues circulava nesta quarta-feira pelos corredores do Senado coletando assinaturas entre seus pares. Levava nas mãos um requerimento para que se votasse com urgência um projeto de lei que tira dos senadores e deputados o direito – alguns dirão privilégio – de serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal, onde os processos se arrastam por anos e não raramente prescrevem. “Eu não achei que ia conseguir nem dez assinaturas, mas já estamos chegando ao número necessário!”, comemora o parlamentar.

Mas o aparente isolamento do único senador da Rede não é novidade. Desde que deixou o PT em 2005 e o PSOL em 2015, Rodrigues se tornou uma das poucas vozes dissonantes no Senado, dominado pelo PMDB. Lá recebeu do colega Magno Malta (PR-ES), integrante da bancada evangélica, o apelido de Harry Potter, devido à semelhança com o personagem dos livros de J. K. Rowling. Agora, além de tentar acabar com o foro privilegiado, Rodrigues também questiona a legitimidade do Congresso que está na mira da Lava Jato de aprovar reformas como a da Previdência: “Que legitimidade este Congresso tem? Zero!”.

Pergunta. Qual o impacto que a lista de Rodrigo Janot terá no Congresso?

Resposta. Tem um impacto claro aqui. O principal atingido é o PMDB e a base de apoio ao Governo. Esta lista, pelo que nós sabemos até agora, indica que o Governo todo está contaminado, bem como suas principais lideranças, sejam eles ministros ou parlamentares. Eu acho que a base de apoio ao Governo está comprometida. Além das reformas serem impopulares, esses parlamentares estarão desgastados pelas denúncias e processos de investigação. Qual a condição que um investigado vai ter de reformar e aprovar uma lei que possibilita que gerações só possam se aposentar com 75 ou 80 anos. Qual legitimidade tem uma base parlamentar dessas? Zero.

P. Mas a classe política não vai assistir com passividade ao desenrolar da Lava Jato…

R. Acho que não. O dilema que eles têm é entre a sobrevivência política e a opinião pública. Por isso que eu acredito que essa ideia de fazer agora a reforma eleitoral e a reforma política é justamente para tentar mudar o sistema e salvar o establishment político, aprovando mecanismos como lista fechada. Na prática a lista fechada acaba completamente com a possibilidade do eleitor escolher quais serão seus candidatos.

P. Essa reforma política poderá trazer embutida a anistia ao caixa 2?

R. Sim. O presidente da República marcou reuniões esta semana para discutir a reforma política e eleitoral com os presidentes das casas legislativas. Foi claramente com essa intenção.

P. Como os parlamentares da oposição podem reagir a esta ofensiva do Legislativo tendo em vista que o PT parece inclinado a aceitar um projeto de anistia?

R. Isso é um equívoco gravíssimo por parte do PT e de outros partidos do campo progressista. Eles acabam se colocando no mesmo balaio, no mesmo saco de gatos, do PMDB. Não existe meio crime. Ou é crime ou não é crime. Tratar caixa 2 como se não fosse crime… Já é crime hoje! A anistia é claramente uma ofensa à inteligência e uma tentativa de obstruir e burlar as investigações. O PT tem que fazer uma autocrítica dos erros que cometeu do ponto de vista republicano e ético, desde os anos em que estava no exercício do poder, e assumir uma postura mais claramente favorável a apoiar quaisquer investigações. Isso é crucial. Qualquer partido do campo progressista não pode ser antagônico ou opositor ao Ministério Público e às investigações que ele conduz.

P. Como avalia o presente momento da política brasileira?

Essa contaminação da política é de hoje? Surgiu com os governos do PT? Não, ela existe desde sempre.

R. Este momento é importante para depurarmos a política brasileira. Depurar é um termo muito forte, mas o que está sendo demonstrado é que o sistema brasileiro estava contaminado. A mais grave contaminação de sua história. Essa contaminação é de hoje? Surgiu com os governos do PT? Não, ela existe desde sempre. Mas o fato de ter surgido desde sempre não significa que o tempo desde que ela vigorou deve ser o tempo necessário para remediar e consertar o sistema.

P. Você defende o fim do foro privilegiado. Quais as chances de parlamentares que são investigados aprovarem tal medida?

R. Quando eu comecei essa lista eu imaginava que não ia conseguir mais de 10 assinaturas de senadores. Já estou com 37 [são necessárias 41 para que o pedido de urgência para votação do projeto seja aprovada}. Está havendo uma clara pressão da opinião publica para que eles assinem. Senadores que ontem disseram que não iam assinar hoje mudaram de opinião e vieram assinar. Se conseguirmos as assinaturas esse projeto só vai ser votado e aprovado com a mobilização e pressão populares. Então eu estou acreditando muito, com o auxílio da pressão popular para acabarmos com o foro.

P. Mas nenhum parlamentar investigado vai querer correr o risco de cair nas mãos do Sérgio Moro, que julga a maioria dos processos da Lava Jato na primeira instância…

R. Pois é, eu quero que chegue o momento em que os meus colegas tenham que decidir entre salvar o pescoço e optar pela sobrevivência da política. Eu acho que este momento está próximo.

P. Você diz que aposta na pressão popular para aprovar o fim do foro. Mas os movimentos que tomaram as ruas no ano passado pedindo a saída da presidenta Dilma não parecem insatisfeitos com o Governo de Michel Temer.

O Governo Temer está conseguindo se tornar amplamente impopular. Nas camadas mais pobres e nas camadas médias

R. Mesmo porque estes movimentos que pediam o impeachment têm uma orientação mais liberal. E o Governo Temer está conseguindo se tornar amplamente impopular. Nas camadas mais pobres e nas camadas médias. Esses movimentos que tinham orientação mais liberal advogavam e defendiam o impeachment como solução. Hoje aos poucos se dão conta de que o impeachment não foi solução. Boa parte desses setores que antes estava nas manifestações do ano passado contra o governo do PT, hoje estão nas manifestações contra a reforma da Previdência, que é essencialmente contra o Governo Temer. Está havendo um deslocamento das camadas média que ano passado apoiaram o impeachment.

P. Não é muito otimismo achar que as forças sociais que ajudaram a derrubar a Dilma queiram derrubar o Temer?

R. O fato é o seguinte. Não se sustenta um Governo que tem menos de 10% de aceitação popular. Esse Governo é o caminho do cadafalso do país, da desagregação nacional. Este Governo tem que cair.

P. O fato do Planalto estar afinado com o Legislativo, diferente do que ocorria com a Dilma, não dificulta sua eventual queda?

R. O Legislativo está cada vez mais contaminado. É um Legislativo que não tem mais respaldo popular para aprovar a reforma da Previdência, e que aparece em listas de denúncia. O Congresso está sendo desvendado e desmascarado pela Operação Lava Jato e pode daqui a pouco ter boa parte dos seus integrantes como réus. Nenhum Legislativo também se sustenta se ele se dissocia de suas bases na sociedade.

O Legislativo está cada vez mais contaminado, não tem mais respaldo popular para aprovar a reforma da Previdência

P. Você não vislumbra um grande acordo, nos moldes propostos pelo senador Romero Jucá (PMDB-RO), para livrar os parlamentares?

R. Não, hoje existe uma reação popular grande. As manifestações desta quarta-feira, contra a reforma da Previdência, são um exemplo disso, e a do dia 26 [convocadas por grupos que pediram o impeachment de Dilma]também serão. Esses atos convocados para o dia 26 são importantes porque atingem boa parte da base social que apoiou o impeachment. E que agora está sendo colocada na berlinda.

P. O ministro Gilmar Mendes tem se reunido com o presidente Temer e com os presidentes da Câmara e Senado, nem sempre em agendas claras. Como você enxerga esses encontros?

R. Qualquer aproximação que não seja dentro de agendas claras, transparentes, do conhecimento de todos, entre membros do Judiciário e membros do Legislativo e Executivo, eu considero comprometedor e inadequado para as relações republicanas. O correto é ter um evento público, institucional e transparente. Senão você levanta uma dúvida, e sobre uma instituição como o STF, especialmente no momento atual, não pode pesar nenhuma dúvida.

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