Há sete anos a construção de uma pirâmide em meio ao sertão cearense surpreendeu os moradores da pequena cidade de Umirim, de 18,8 mil habitantes, a 90 quilômetros de Fortaleza. A obra de 19 metros, equivalente à altura de um prédio de seis andares, pertence à Ordem dos Guardiões dos Faraós, um grupo que afirma dar continuidade ao trabalho dos antigos faraós egípcios, iniciados há quase cinco mil anos.
A ordem acredita que o universo enfrenta um momento de “transição planetária”, o que acarreta violência, conflitos e outras mazelas de escala global. O grupo também defende que os seres humanos foram criados em laboratório por um grupo de seres “autoconscientes”, vindos de outros planetas, como parte de uma experiência.
Juridicamente, se trata de uma associação sem fins lucrativos, mas eles preferem se identificar como “membros de uma missão”, evitando o termo religião. Entre os desígnios da missão, estão a harmonização e o bem-estar pessoal, social e cósmico.
Até 2015, a Ordem dos Guardiões dos Faraós era um grupo fechado, com atividades voltadas apenas para membros efetivos. Após uma flexibilização, o G1 foi recebido no interior da pirâmide, participou de um encontro dos iniciados e teve acesso a informações sobre o coletivo.
A estrutura fica em um sítio a nove quilômetros da zona urbana de Umirim. Por ser de pouco acesso e desconhecida, os moradores da cidade têm explicações diferentes para a pirâmide. “Dizem que é um local onde se reza nu”, arrisca a comerciante Ana Maria Alves. “É um campo de pouso de disco-voador”, diz Paulo Rocha. O vendedor ambulante Henrique da Silva prefere não arriscar: “Ninguém sabe o que é, só eles mesmos. É um local só deles e pronto.”
Estrutura e função da pirâmide
A entrada na pirâmide é um ato solene, e a recomendação é que os visitantes a façam descalços. O térreo da estrutura é um salão com pinturas e quadros que explicam alguns conceitos básicos defendidos pela Ordem dos Guardiões dos Faraós. Em meio às imagens há a figura de dois homens, um caçador e um vestido com trajes espaciais, estágio alcançado com ajuda de seres de outros planetas, conforme o grupo.
O primeiro andar é a área onde os membros realizam as reuniões, onde o G1 conversou com Fernando Coutinho, participante da ordem. “[A pirâmide] é a contraparte material dos cosmos. Como nós estamos na Terra, qualquer trabalho tem que ser feito por seres humanos, então, nós representamos essa contraparte material de um trabalho que está ligando o cosmos à Terra”, resume.
No manifesto “Os Senhores da Criação”, livro da ordem ainda por ser lançado, de autoria de Lindomagno Pessoa Leite, e ao qual o G1 teve acesso, é dito que a outra contraparte é de seres de consciência elevada que vivem em dimensões paralelas, que usam a pirâmide como um “ponto de descanso” e reposição de energia quando estão presentes na mesma dimensão humana. Coutinho evitou conversar sobre a mitologia da ordem relativa a seres de outros planetas.
“A pirâmide tem dois aspectos: o objetivo de ajudar o maior número de pessoas, a coletividade. Mas a gente só consegue ajudar os outros se a gente estiver também bem interiormente, nós chamamos isso de equilíbrio. Todo mundo que está ao meu redor pode ser ajudado com o equilíbrio. Então a grande função dela [pirâmide] é ajudar a transição do planeta, as pessoas a terem mais equilíbrio”, diz Coutinho.
O terceiro andar da estrutura é uma sala menor para encontro dos membros e, no topo da pirâmide, há um cristal. No piso de cada andar uma “janela”, que permite ver o alinhamento do cristal com uma rocha na base da pirâmide. O alinhamento das duas rochas seria uma ferramenta para canalizar as energias terrestres e cósmicas, conforme a ordem.
O empreendimento foi quase totalmente feito a partir de doações dos próprios membros, e a associação não sabe o valor aproximado do investimento para concluí-lo.
Continuidade egípcia
A Ordem dos Guardiões dos Faraós foi fundada no Ceará na década de 1980 e atualmente conta com integrantes de outros estados e países, conforme os membros. Eles defendem que as grandes pirâmides egípcias de Quéops, Quéfren e Miquerinos foram criadas com objetivo de trazer alimento, saúde e tecnologia, respectivamente, para humanidade.
Ainda conforme o grupo, uma mudança ocorrida há 2,5 mil anos devido a um fenômeno geológico no eixo horizontal da Terra, a linha do Equador, as pirâmides egípcias perderam o alinhamento com os astros e estão “desativadas”, não possuem mais a capacidade de fornecer à humanidade os benefícios para os quais foram geradas.
A pirâmide de Umirim foi instalada em um local onde ela possa gerar equilíbrio de energias cósmicas. Eles afirmam que a mudança no eixo da Terra continua ocorrendo e que um dia – “não se pode precisar quando” – a estrutura no sertão cearense também será desativada, perdendo suas funções cósmicas.
O físico e astrônomo Dennis Weaver, membro do Clube de Astronomia de Fortaleza, discorda sobre a ocorrência do fenômeno citado pela ordem, como suposto causador da alteração do eixo da Terra.
G1
“A astronomia reconhece apenas a precessão dos equinócios como movimento que altera a projeção do eixo imaginário da Terra. A precessão é um fenômeno físico bastante conhecido que vai lentamente girando o eixo imaginário da Terra. Imagine um pião que à medida que gira e vai desacelerando, aos poucos tem seu eixo de rotação criando um círculo. O mesmo acontece com nosso planeta”, explica.
“Devido a forças diferenciais do Sol e da Lua sobre nosso planeta que não é perfeitamente esférico, o eixo vai oscilando lentamente e completa uma volta em aproximadamente 25.770 anos. Assim, o Equador vai mudando também sua posição em relação a eclíptica e temos como consequência a mudança da estrela polar. Na época da construção das grandes pirâmides no planalto de Gizé [no Egito], a estrela polar era Thuban, alfa draconis”, completa.
‘Não é uma religião’
A sala de reunião no interior da pirâmide tem decorações carregada de simbolismo. O G1 conversou com os membros em uma mesa onde repousavam uma bola de cristal, caroços de milho formando as letras HYH, uma coroa com pedras de cristal e uma espada.
Coutinho é taxativo ao dizer que a Ordem dos Guardiões dos Faraós “não é uma religião” e que aceita pessoas de todos os credos. “Nós temos espíritas, umbandistas, católicos, budistas, crentes, e tem gente que não abraça nenhuma dessas religiões, mas se identifica com Maçonaria ou a Rosa Cruz. Cada um tem a liberdade de fazer o que quiser na hora que quiser, nós não temos proibições. A gente só pede uma coisa: é que na hora da reunião, você esqueça todos os problemas do mundo material e procure deixar a sua mente mais limpa e sintonizada com a energia que está ancorada naquele momento.”
Em comum com os espíritas, eles compartilham a crença na mediunidade. A Ordem dos Guardiões afirma que a utiliza para manter contato com seres extraterrenos.
Visitas
Os membros pretendem realizar uma série de atividades abertas a partir de setembro, com divulgação das reuniões em redes sociais. “Ele [o visitante]vai conhecer o que é a Ordem, como nós funcionamos, e nossas estruturas. Vai haver oportunidade de passar um tempo aqui desfrutando dessa energia do local. Dessa visita inicial, vamos oferecer a oportunidade para quem quer participar do trabalho”, diz Coutinho.
Além da pirâmide de 19 metros, há outras duas estruturas no sítio, em um alinhamento que lembra o das maiores pirâmides egípcias: uma pirâmide menor, de cerca de 2,5 metros, chamada de “pirâmide do equilíbrio”; e um domo, onde há água corrente e uma estrutura que mantém suspensa uma coroa de cristal sobre a cabeça do visitante.
Na chamada pirâmide do equilíbrio, conforme a Ordem, o visitante vai poder tirar o excesso de “energia negativa” – originária da Terra e essencial para vida, mas que, em demasia, pode tornar o indíviduo egoísta -, e acrescentar a energia positiva, oriunda do cosmos.
“No domo, a pessoa recebe uma ajuda para o que ela mais necessita, que somente ela sabe. Pode ser saúde, tranquilidade, prosperidade, amor etc. Como diz a placa dentro dele: ‘Povo da luz, estou aqui para receber o que tenho direito'”, explica.