A concessão da prisão domiciliar ao líder opositor venezuelano Leopoldo López abriu uma nova fase nos protestos contra o regime de Nicolás Maduro. O objetivo do presidente era desinflar a onda de mobilizações que completou 100 dias neste domingo. Mas a oposição agora redobra a pressão contra o Governo exigindo a libertação de todos os presos políticos. Essa é uma das reivindicações da Mesa de Unidade Democrática (MUD), que quer impedir as eleições constituintes marcadas para o dia 30.
No domingo, a oposição voltou a concentrar-se em Caracas para comemorar um ciclo ininterrupto de manifestações iniciado no fim de março, quando o Governo de Maduro decidiu retirar as competências do Parlamento, onde o chavismo está em minoria. Os quadros e os simpatizantes da MUD querem demonstrar que a pressão social continua intacta e que não se contentam com a libertação de López. No sábado, o ex-prefeito do município de Chacao pediu para continuar a luta e declarou que não se dá por vencido. “Reitero meu compromisso de lutar até conquistar a liberdade, povo da Venezuela”, disse em uma mensagem lida por Freddy Guevara, membro destacado de seu partido, o Vontade Popular.
Essa luta inclui uma exigência imediata: que Maduro ceda e concorde em libertar os presos políticos como condição para abrir um diálogo nacional. “Não devem existir presos políticos na Venezuela. Leopoldo está em casa, está forte, está firme, mas se lembra de cada situação que viveu em Ramo Verde. Foi muito duro estar no presídio de Ramo Verde”, declarou através do Twitter a esposa de López, Lilian Tintori.
No sábado, o ministério público – comandado por Luisa Ortega Díaz, a principal representante do chavismo crítico – engrossou o coro. O órgão solicitou a revisão das penas de três líderes opositores: os prefeitos Antonio Ledezma e Daniel Ceballos e o ativista Lorent Gómez Saleh.
Agendas opostas
A possibilidade de a tensão diminuir nas próximas semanas se choca com o próprio calendário político. O Executivo começou, no fim de semana, a campanha oficial para eleger uma nova Assembleia Nacional Constituinte, um processo que a oposição rejeita por ter regras que beneficiam o Governo. Até mesmo os setores críticos do chavismo, com a procuradora rebelde à frente, querem paralisar essa convocatória por considerá-la uma traição ao legado do ex-presidente Hugo Chávez.
TINTORI: “OS ÚLTIMOS DIAS FORAM OS PIORES”
A esposa do opositor venezuelano Leopoldo López, Lilian Tintori, compareceu à concentração no domingo para exigir a libertação de todos os presos políticos e contou como foram os últimos dias do dirigente da Vontade Popular no presídio de Ramo Verde.
“Aguentamos, resistimos, suportamos muitos maus-tratos. Os últimos dias de Leopoldo foram os piores. Denunciamos torturas, nos últimos dias na prisão perdeu seis quilos de peso. Está ruim da vista, não está enxergando bem”, declarou Tintori, que considera a libertação “um passo”. “Leopoldo ficou 32 dias numa cela lotada, não lhe deram comida, teve uma intoxicação, passou dez dias vomitando e com diarreia. Por 32 dias não recebeu jornais, não ouviu rádio, não sabia de nada”.
Nesse contexto, a oposição realizará, no próximo domingo, um plebiscito para que os venezuelanos se pronunciem sobre as eleições e agora procura mobilizar o maior número de cidadãos. Nesta segunda-feira, a campanha será nas ruas, no meio do trânsito. “Chamamos todos os venezuelanos a se prepararem para que amanhã [segunda-feira], das 12h às 14h, possamos realizar esse protesto com cartazes alusivos ao processo da consulta soberana de domingo 16 de julho”, afirmou o deputado da MUD Juan Andrés Mejía. O porta-voz explicou que as votações da consulta acontecerão entre as sete da manhã e as quatro da tarde. Serão instalados 1.933 “centros de votação” no país e também haverá seções eleitorais em 220 cidades do exterior. A cédula trará três perguntas: sobre o processo constituinte, sobre o papel que devem desempenhar os funcionários e as Forças Armadas e sobre a renovação dos poderes públicos. Os dirigentes da MUD estão determinados a seguir adiante com a realização do plebiscito apesar de o regime ter declarado que esse referendo carece de legitimidade.
Na semana passada, o confronto entre as duas partes alcançou um momento de tensão máxima quando grupos de choque do chavismo tentaram intimidar a oposição invadindo o Parlamento, ferindo deputados e visitantes que tinham comparecido à comemoração do dia da independência.
Esse episódio violento expôs, no entanto, as divisões internas do Governo, cada vez mais claras. A condenação internacional pelo ataque à Assembleia Nacional foi praticamente unânime e, na Venezuela, uniu as vozes que reivindicam o chavismo original e os líderes e simpatizantes da oposição. Vários ex-ministros do Governo Chávez se apressaram em tomar distância dos arruaceiros que entraram na Câmara armados com paus e facas.
A disputa pela herança simbólica do ex-presidente Chávez é decisiva nos setores vinculados aos Governos anteriores. Suas reivindicações coincidem cada vez mais com as da oposição que, além da libertação dos presos políticos, exige a realização de eleições livres, o pleno reconhecimento da Assembleia e a criação de um canal humanitário para que alimentos e remédios cheguem ao país, atingido por uma dura crise de desabastecimento.
EL PAÍS