Uma semana após a definição das bases financeiras, foi assinado nesta segunda-feira (5) o acordo de leniência entre o Ministério Público Federal (MPF) e o Grupo J&F. Da parte do MPF, o documento foi assinado pelos procuradores da República que estão à frente das operações Greenfield, Sépsis e Cui Bono (desdobramentos da Lava Jato) e Carne Fraca. No entanto, responsáveis por outras investigações em curso, e que tenham entre os alvos empresas do grupo, também poderão aderir ao acordo. Pela negociação, a holding pagará R$ 10,3 bilhões a título de multa e ressarcimento mínimo. Desse total, R$ 8 bilhões destinados a entidades e órgãos públicos lesados em consequência de atos criminosos praticados pelas empresas ligadas à J&F e o restante, R$ 2,3 bilhões, ao financiamento de projetos sociais indicados pelo MPF.
Conforme já havia sido adiantado, o prazo de pagamento será de 25 anos, período em que o valor de cada parcela será corrigido pelo Índice de Preço ao Consumidor amplo (IPCA). A previsão é que, ao final, o valor pago supere R$ 20 bilhões. A distribuição dos valores reservados às entidades e órgãos lesados será feita da seguinte forma: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), União, Funcef e Petros receberão R$ 1,750 bilhão cada, enquanto Caixa Econômica Federal e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), ficarão com R$ 500 milhões cada. O acordo ainda será homologado 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF e 10ª Vara da Justiça Federal, em Brasília.
Exigências e contrapartida – Além do aspecto financeiro, o termo que oficializa a leniência estabelece uma série de obrigações a ser cumprida tanto pela holding quanto pelas empresas controladas e pelos dirigentes que aderirem ao acordo. Apenas em uma das 37 cláusulas que compõem o documento, na décima-quinta, são listadas 23 medidas. Boa parte delas refere-se a compromissos que deverão ser seguidos pelos colaboradores como condição de vigência da leniência. Entre as providências está remoção de Joesley Batista de todos os cargos diretivos e de conselho das companhias e a não recondução pelo prazo de cinco anos. Há ainda o compromisso de manter o regular pagamento de dívidas e obrigações junto a entes federativos. Isso significa que as empresas do Grupo precisaram estar em dia com tributos e outras contas devidas a órgãos como Receita Federal, INSS, FGTS e Procuradoria da Fazenda Nacional.
Como forma de assegurar a completa apuração dos casos em andamento, o acordo prevê o fornecimento de informações, documentos, relatórios periódicos e depoimentos complementares ao MPF, bem como a outras instituições que cooperam com as investigações abarcadas nas operações que integram a leniência. Uma das exigências destinadas ao atendimento desse propósito é a entrega de uma lista consolidada e discriminada das doações eleitorais nos últimos 16 anos pelas empresas do grupo, incluindo o nome de quem autorizou o pagamento e o valor repassado. A colaboradora se compromete, ainda, a entregar uma relação consolidada com todos os beneficiários de pagamentos de vantagens indevidas que, atualmente, possuem prerrogativa de foro. Em relação a essas obrigações, o prazo estipulado para o comprimento é de 90 dias a contar da homologação do acordo.
Outro aspecto contemplado no rol de exigências impostas ao grupo diz respeito à mudança de procedimentos internos com o objetivo de “cessar completamente” a prática de crimes e infrações. Um exemplo é a previsão de que, em no máximo três meses, seja aprimorado o programa de integridade, conforme previsto no Decreto 8.420/15, que regulamentou a Lei Anticorrupção. Além disso, há previsão expressa de que sejam tomadas providências no sentido de implementar, em todas as companhias do grupo, sempre que cabíveis, ações condizentes com as normas do padrão ISO 19600 e ISO 37001, que trata de gestão antissuborno.
Como contrapartida aos pagamentos e ao cumprimento das demais obrigações listadas no acordo, as empresas do grupo, seus prepostos, empregados e dirigentes que aderirem ao acordo, ficam isentos de condenação judicial que importe punições em decorrência de atos que caracterizam improbidade administrativa, definidos na Lei 8.429/92 ou que sejam caracterizados como ilícitos pela Lei Anticorrupção (12.846/13), desde que tais fatos tenham sido narrados pela empresa nos anexos do acordo de leniência.
O documento – ainda sob sigilo parcial – deixa claro que, em relação a fatos que não são da atribuição do Ministério Público Federal, as informações e documentos fornecidos pelo grupo serão agrupados e informados aos respectivos responsáveis pelos procedimentos de apuração, incluindo o Ministério Público Estadual, que deverão analisar a possibilidade de aderirem ao acordo. Caso não ocorra a adesão, o material será devolvido à empresa e não poderá ser usado como elemento de prova nas respectivas investigações.
Ressarcimento mínimo – A assinatura do acordo de leniência não retira dos órgãos públicos e instituições lesadas mencionadas no documentos o direito de exigir que as empresas controladas pelo Grupo J&F (363, conforme lista fornecida pela colaboradora) paguem multas ou façam o ressarcimento de eventuais prejuízos. O acordo prevê apenas que, caso ocorram pagamentos dessa natureza, em favor de BNDES, União, Funcef, Petros , CEF e FGTS, o Grupo J&F poderá pedir que sejam abatidos até o limite de 80% do total devido à respectiva entidade. Não há entretanto, a possibilidade de restituição de valores pagos acima do estipulado no acordo.
Caberá as irmãos Joesley e Wesley Mendonça Batista, na condição de intervenientes garantidores, assegurarem o cumprimento integral acordo, incluindo as cláusulas financeiras. Para isso, eles deverão, no prazo de cinco dias após a assinatura, firmar Termo de Fiança em que conste as obrigações assumidas pela holding. Ainda segundo o documento, em caso de inadimplemento também por parte dos fiadores, serão adotadas, por parte do MPF, as providências previstas na Lei 12.846/13, que prevê a responsabilidade solidária de entidades controladas.
Projetos sociais – Um dos diferenciais do acordo de leniência é que, pela primeira vez, recursos financeiros adquiridos em decorrência de crimes como a corrupção poderão ser usados no combate a essa prática. É que, entre os projetos sociais que poderão ser executados pelo Grupo J&F, estão iniciativas educacionais focadas em direitos humanos, cidadania e prevenção à corrupção. A lista completa tem 49 temas que abrangem todas as áreas de atuação do Ministério Público. Um dos coordenadores da força-tarefa das Operações Greenfield, Sépsis e Cui Bono, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, destaca a importância da execução dessas ações sociais. “Os projetos sociais estão entre os principais legados deste documento para o povo brasileiro. Eles representam uma reparação dos danos sofridos por toda a sociedade em decorrência da corrupção sistêmica que assolou o país. Ao mesmo tempo, significam o resgate da esperança de um futuro melhor para o Brasil”, afirmou.
A empresa poderá executar desde projetos destinados à reinserção de egressos do sistema prisional até a inclusão digital. Há ainda previsão nas áreas de preservação cultural e artísticas de comunidades indígenas e quilombolas e construção e gestão de creches destinadas a crianças carentes. O leque de iniciativas conta ainda com projetos ambientais, destinados à saúde (caso de pesquisas que buscam a cura para o câncer) e de valorização de conhecimentos tradicionais.
Conforme previsto no acordo, a definição, elaboração e execução dos projetos sociais deverão ocorrer de forma simultânea ao pagamento pecuniário das multas e ressarcimento. Com o objetivo de assegurar o monitoramento das medidas, o acordo previu a contratação de um auditoria independente por parte da holding. O resultado da auditoria deverá ser consolidado em relatórios anuais que deverão ser submetidos a um comitê de supervisão independente. Formado por três pessoas de reputação ilibada, o comitê será indicado pela colaboradora, sendo assegurado ao MPF, o direito de vetar eventuais nomes.
Confira a relação de temas autorizados para financiamento e execução de projetos sociais
1- Educação em direitos humanos, cidadania e prevenção à corrupção
2- Apoio a atividades de controle social e transparência das contas públicas
3- Ensino e reforço individualizado em língua portuguesa, línguas estrangeiras, matemática, computação e tecnologia
4- Formação de empreendedores em comunidades carentes
5- Apoio a palestras, workshops e cursos profissionalizantes gratuitos para pessoas de baixa renda
6- Apoio a palestras, workshops e cursos profissionalizantes gratuitos para membros de comunidades indígenas, quilombolas ou tradicionais
7- Bolsas de estudo e pesquisa para alunos pobres de alto desempenho
8- Bolsas de estudo e pesquisa para alunos que sejam membros de comunidades indígenas, quilombolas ou tradicionais
9- Apoio à produção cultural e artística de comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais
10- Pesquisa e conservação do patrimônio cultural, histórico e arqueológico brasileiro
11- Educação à distância voltada a crianças e adolescentes de baixa renda
12- Apoio de infraestrutura e gestão a escolas de ensino fundamental e médio em áreas rurais, garantindo também o apoio de ferramentas tecnológicas e a interação dos alunos com o meio ambiente e o campo
13- Apoio de infraestrutura e gestão a creches voltadas à população de baixa renda
14- Reforma e ampliação de escolas públicas
15- Criação e ampliação de laboratórios de ciências e tecnologia em escolas da rede pública de ensino
16- Construção e manutenção de bibliotecas públicas em áreas carentes
17- Apoio a cursos preparatórios para vestibulares e o ENEM, dirigidos a pessoas de baixa renda
18- Fomento à difusão de olimpíadas municipais, regionais, estaduais e nacionais de matemática, língua portuguesa, tecnologia e ciências em todas as séries dos ensinos fundamental e médio, com foco em estudantes da rede pública de ensino
19- Programas de reinserção no ensino de alunos vitimados pela evasão escolar
20- Criação e manutenção de programas de incentivo, bolsas, capacitação e premiação de professores da rede pública de ensino com alto desempenho
21- Apoio a programas de incentivo à leitura com foco em estudantes da rede pública de ensino
22- Fomento de programas de alfabetização na primeira infância, com foco em famílias de baixa renda
23- Apoio a atividades culturais, artísticas, musicais e esportivas em comunidades carentes
24- Fomento à constituição e ampliação de redes de apoio psicológico, coaching e orientação profissional para adolescentes e jovens de baixa renda
25- Valorização de conhecimentos tradicionais
26- Recuperação de matas ciliares e formação de corredores ecológicos
27- Recuperação de rios e nascentes
28- Pesquisas para a cura do câncer
29- Combate a doenças tropicais
30- Tratamento de água e dejetos em comunidades carentes
31- Apoio de infraestrutura e gestão em unidades de saúde voltadas à população de baixa renda
32- Apoio de infraestrutura e gestão em unidades de saúde voltadas a comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais
33- Pesquisas com células-tronco para a reabilitação física de pessoas portadoras de incapacidade
34- Apoio a centros de apoio religioso, espiritual e/ou psicológico em unidades prisionais
35- Apoio à inserção ou reinserção de presos e ex-presos no mercado laboral
36- Apoio a programas de apadrinhamento afetivo de crianças e adolescentes carentes, bem como projetos similares de criação de vínculos afetivos com idosos desprovidos de suporte familiar
37- Construção de unidades hospitalares e de saúde voltadas à população de baixa renda
38- Apoio de gestão a unidades hospitalares e de saúde voltadas à população de baixa renda
39- Apoio a pesquisas sobre terapias de saúde de baixo custo
40- Apoio a pesquisas sobre a integração do meio ambiente com unidades de ensino e saúde
41- Apoio a campanhas educativas contra a compra de votos e todas as formas de corrupção eleitoral
42- Apoio, formação e desenvolvimento de empreendedores sociais
43- Apoio à criação, expansão e manutenção de bancos de sementes crioulas
44- Pesquisa sobre fontes proteicas alternativas de baixo custo para a alimentação de populações abaixo da linha da pobreza
45- Construção de abrigos e formação de rede de apoio para moradores de rua e pessoas sem teto
46- Apoio a atividades culturais, artísticas, esportivas e educativas para pessoas em tratamento contra a dependência química
47- Captação de energia solar para o provimento de energia elétrica em comunidades isoladas
48- Inclusão digital e formação de redes de dados wi-fi em comunidades carentes
49- Outros projetos sociais em temas autorizados pelo Ministério Público Federal
O acordo de leniência foi assinado: pelo Ministério Público Federal – pelos os procuradores da República, Alexandre Melz Nardesa, Andrey Borges de Mendonça, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, Paulo Gomes Ferreira Filho. Sara Moreira de Souza Leite e o procurador regional da república Márcio Barra Lima.Pela empresa: Francisco de Assis e Silva e Igor Sant’Anna Tamasauskas.