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Greve geral desafia Macri, anfitrião do Fórum Econômico Mundial

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Todas as greves gerais são um grande pulso político entre o Governo e os sindicatos. Mas, na Argentina, isso chegou hoje ao nível de prova de fogo entre os fiéis a Mauricio Macri, que converteram ir trabalhar quase em um ato de militância, e os opositores, que trataram de paralisar Buenos Aires com piquetes dissolvidos violentamente pela polícia. E este palco de tensão ocorreu no mesmo dia em que Buenos Aires recebia o Fórum Econômico Mundial sobre a América Latina, um momento de máximo apoio internacional para Macri. “Que bom que estamos aqui trabalhando”, disse cheio de intenções o presidente para iniciar o fórum enquanto nas periferias da cidade se produziam violentos confrontos entre a polícia e os grevistas.

O conflito social na Argentina se intensificou após a população acatar a convocação de greve geral feita pela Confederação Geral do Trabalho (CGT). Essa é a primeira que os sindicatos peronistas declaram greve contra o Macri. A cidade amanheceu vazia e com seus principais acessos ameaçados por bloqueios dos movimentos sociais mais combativos, que não acataram a decisão sindical de não se mobilizar. Além da CGT, também participa do movimento a Central de Trabalhadores Argentinos (CTA), forte entre funcionários de estatais e professores. O sucesso do chamamento parecia garantido desde o início do dia: sem ônibus, táxis, metrô nem aviões; sem escolas nem universidades (em meio a outra dupla jornada de paralisação de professores); com os hospitais funcionando somente para plantões médicos; sem bancos, nem coleta de lixo.

Com o fechamento dos aeroportos, todos os voos entre Brasil e Argentina foram cancelados. Os aeroportos Salgado Filho, em Porto Alegre, e Guarulhos, em São Paulo, foram os mais afetados. A companhia aérea Aerolíneas Argentinas divulgou um comunicado pedindo aos passageiros prejudicados que entrassem em contato com o call center da empresa para que sejam feitas reacomodações e reembolsos. A LATAM também informou em seu portal na internet que, devido a paralisação, cancelou todos os seus voos domésticos e internacionais operados de e para a Argentina.

O Fórum Econômico Mundial trouxe a Buenos Aires 1.200 empresários, ministros estrangeiros, altos funcionários e organismos internacionais. O Fórum obrigou a cidade a adotar um forte esquema de segurança. Apesar de a convocação não incluir mobilização, várias organizações sociais montaram piquetes tanto nos acessos como no centro da cidade e anunciaram um protesto nos arredores do Hotel Hilton, onde está sendo realizado a conferência.

O bloqueio programado para as 6h na Ponte Pueyrredón (principal acesso à cidade na zona sul da área metropolitana e um símbolo dos protestos sociais) aconteceu, mas não foi feito por organizações sociais de esquerda e sim pela a própria polícia, que chegou com a ordem de evitar que os manifestantes ocupassem a rua. Cerca de mil pessoas com bandeiras do Partido Operário, do Movimento Socialista dos Trabalhadores (MST) e do Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS), entre outros, foram contidas por duas fileiras de policiais federais, provinciais e municipais.

“Ganhamos a ponte mesmo assim”, diziam os militantes enquanto esperavam a chegada de companheiros para reforçar as colunas. Dez minutos antes das 7h, a chegada do grêmio docente Ademys –que mantém uma dura luta com o Governo por causa de uma reivindicação salarial –, provocou o primeiro enfrentamento com a polícia numa tentativa de ocupação que foi reprimida pelos escudos policiais.

Vilma Ripoll, dirigente do MST, disse ao EL PAÍS que “o Governo de Mauricio Macri, fortalecido pela mobilização de 1 de março [quando milhares de pessoas ocuparam a Plaza de Mayo em seu apoio], acredita que pode trazer as forças repressivas a todos os bloqueios decididos pelos setores combativos”. “Devemos realizar uma paralisação que a CGT convocou pressionada por suas bases. Fizeram uma greve passiva e domingueira para voltar a negociar com o Governo a paz social. É uma vergonha a atitude da CGT e o governo não vai poder esconder a insatisfação popular com as taxas, o desemprego e a suspensão dos acordos paritários trazendo a polícia”, argumentou a ex-deputada.

Nos dias anteriores à greve, o principal assunto das conversas nas ruas, fábricas e escritórios era quem iria aderir à greve. A ministra de Segurança, Patrica Bullrich, alertou que o Governo garantiria a livre circulação de pessoas. “Em nossa perspectiva, essa paralisação é totalmente ilegítima e sem sentido. Tem muita gente querendo enfrentar a paralisação para dizer: ‘não vão me fazer parar à força’“, disse. A resposta da cúpula da CGT foi desafiadora. “Aqui não há impedimentos para quem quer ir trabalhar. O que vai haver é uma paralisação total das atividades, por isso vai haver uma alta adesão contra um mal-estar social que tentamos pôr na agenda pública. Não há nada mais além disso”, afirmou Juan Carlos Schmid, integrante do triunvirato que dirige a central operária.

As greves gerais na Argentina, um país que tem uma forte atividade sindical, são uma ferramenta comum de pressão política. Há muitos exemplos disso. Raúl Alfonsín (1983-1989) sofreu a primeira nove meses depois de assumir a presidência e enfrentou 13 ao longo de seu mandato; Carlos Menem (1989-1999) viu o país parar três anos depois de colocar a faixa presidencial e suportou oito em 10 anos; Fernando de la Rúa governou apenas dois anos (1999-2001) e teve sua primeira greve geral no terceiro mês de mandato, depois sofreu outras sete e Cristina Kirchner (2007-2015) viu a CGT na rua no quinto ano de mandato –quando já tinha sido reeleita – e enfrentou cinco no total. Néstor Kirchner (2003-2007) foi o único presidente pós-ditadura que não sofreu nenhuma greve geral durante a presidência.

EL PAÍS

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