Heitor Amorim Perroca não precisa vasculhar a memória para encontrar ali intactos aqueles segundos que marcaram sua vida. “Foi no dia 30 de setembro de 1964”, diz ele pelo telefone como quem começa uma história que nunca cansa de recontar.
“A verdade é que o Pelé perdeu o pênalti”, admite. Aos 76 anos, Heitor não esqueceu nada do dia em que parou o maior jogador de futebol de todos os tempos. Era o fim do primeiro turno do Campeonato Paulista no Pacaembu.
O jogo tinha começado em Santos, dez dias antes, 75 km dali, mas o alambrado da Vila Belmiro cedera diante da pressão de 32 mil pessoas que superlotaram o estádio. Mais de 180 pessoas ficaram feridas, e o clássico for remarcado para a capital.
“O jogo mais esperado deste campeonato”, anunciava a “Folha de S.Paulo”.
Aquela quarta-feira começou agitada. O presidente Castelo Branco tinha acabado de extinguir a União Nacional dos Estudantes. Em Brasília, o governo militar empossado pelo golpe meses antes ameaçava decretar estado de sítio caso “a desordem” tomasse conta do país. No mundo, temia-se que a China pudesse acionar uma bomba atômica a qualquer momento. No Rio, Garrincha se recuperava de uma cirurgia que retirara os meniscos machucados por suas pernas tortas.
Em São Paulo, Corinthians e Santos, os líderes do campeonato, se digladiavam em um gramado encharcado, as chuteiras criando cortinas d’água a cada pisada no chão, os calções e camisetas vergando sob o peso de lama, chuva e suor.
O camisa 10, já bicampeão do mundo, aterrorizava a defesa corintiana. Ele já tinha feito um gol, aproveitando o rebote de uma falta. No segundo tempo, foi derrubado dentro da área. Pelé se preparou para chutar o pênalti e desempatar o jogo. O placar apontava 1 a 1.
“O Pelé tinha inventado esse negócio de paradinha”, lembra Heitor.
“Olhava pro goleiro, o goleiro caía para um lado e ele chutava no outro. Quando houve o pênalti, pensei que eu ia cair, mas fiquei parado, balançando as asas igual um gavião. Dei aquela rolada no chão e espalmei. ”
A bola rolou na grama molhada alguns metros à frente e foi abraçada por Heitor que pulou como um tigre sobre ela. Naquela época, não se usavam luvas. Um locutor se empolgou na tribuna anunciando a defesa. Pelé se aproximou e deu um tapinha nos ombros do goleiro. “Desgraçado”, disse o rei, conforme a memória de Heitor.