Longe de diminuir a tensão, os Estados Unidos endureceram nesta terça-feira o tom contra a Rússia pedindo que esta deixe de apoiar o presidente da Síria, Bashar al-Assad, que acusam de ter atacado sua própria população com armas químicas, alguém que parece estar esgotando a paciência da nova Casa Branca. Washington – que na semana passada bombardeou instalações do Governo sírio – acusou Moscou de colaborar “encobrindo” a autoria da matança de civis, atribuindo o ataque a terroristas. O secretário de Estado, Rex Tillerson, disse algumas horas antes de voar para Moscou que o Governo de Vladimir Putin deveria escolher entre uma aliança com Washington ou com Asad, Irã e o Hezbollah.
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Washington e seus aliados estão convencidos de que Assad é o responsável pelo ataque com armas químicas contra a população civil síria, que no dia 4 de abril matou mais de 80 pessoas e deixou imagens aterradoras de crianças e adultos agonizando. Moscou, que apoia Assad, atribui a ação aos rebeldes e condenou a decisão norte-americana de responder com um bombardeio. Essa frente entre os dois velhos inimigos que pareciam começar a se aproximar sob a presidência de Donald Trump marcou a cúpula do G7 na Itália e aumentou a tensão com as palavras do chefe da diplomacia norte-americana.
“A Rússia fracassou em sua responsabilidade de fazer cumprir o compromisso de 2013”, disse Tillerson, referindo-se à destruição do armamento químico por parte do Governo sírio, um acordo em nome do qual a Administração de Barack Obama renunciou a bombardear o regime. “Não está claro se a Rússia fracassou porque não levou a sério essa obrigação ou porque foi incompetente, mas essa distinção não importa muito para os mortos, não podemos deixar que isso volte a acontecer”, enfatizou na cidade italiana de Lucca.
Poucas horas depois, a Casa Branca defendeu, com base em um breve relatório sobre o ataque, que seus dados eram incompatíveis com a “falsa narrativa” de que os terroristas estariam por trás do uso de gás sarin. O Governo dos EUA acusou as autoridades sírias e russas de tentar criar confusão e espalhar uma versão dos acontecimentos que, argumenta, não se sustenta com sua investigação.
Putin, porém, insistiu em pedir uma investigação internacional e disse que os rebeldes preparam “novas provocações” com agentes químicos. Numa conferência de imprensa com o presidente italiano Sergio Mattarella, disse que tem “informações de diferentes fontes segundo as quais provocações semelhantes estão sendo preparadas em outras regiões da Síria, inclusive na periferia de Damasco”. “Eles se propõem a colocar algum tipo de substância e culpar por seu uso as autoridades sírias”, acrescentou o presidente russo pouco antes da chegada de Tillerson a Moscou.
A cúpula dos ministros das Relações Exteriores das sete maiores economias desenvolvidas –EUA, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Japão e Canadá– aconteceu exatamente na véspera da viagem de Tillerson a Moscou, uma visita que estava agendada desde antes do bombardeio ordenado por Trump na quinta-feira passada, mas que agora será marcada pela fissura aberta entre o novo Governo norte-americano e Putin.
“Esperamos que o Governo russo reconheça que se aliou com um parceiro pouco confiável como Bashar al-Assad”, disse o responsável pela política externa do Governo Trump, que endurece assim sua posição sobre o presidente sírio e se alinha com a de outros membros do Gabinete republicano que, como a embaixadora na ONU, Nikky Haley, exigiram que Assad deixe o poder na Síria. “Está claro para todos nós que o reinado de Assad e família está chegando ao fim”, disse o secretário de Estado dos EUA poucas horas antes de começar sua viagem a Moscou, onde inicia uma visita fundamental para as relações entre seu país e a Rússia. Uma postura que compartilha com o ministro francês, Jean-Marc Ayrault.
O Reino Unido compareceu com a intenção de considerar a possibilidade de impor sanções à Rússia e à Síria depois do ataque com armas químicas. Finalmente, não houve acordo sobre as sanções e a posição comum foi apostar em uma solução política para o país, chamando a Rússia para colaborar e condenar os ataques. O G7 cerrou fileiras também em torno dos EUA e sua intervenção por meio do bombardeio de uma base militar do regime.
“Foi uma resposta cuidadosamente calibrada e de alcance limitado a esse crime de guerra”, diz o comunicado, “para prevenir e dissuadir a proliferação e a utilização de armas químicas mortais”. Os sete países condenaram “os cercos em todo o país, a fome e o bombardeio de civis, os numerosos ataques contra instalações e pessoal médico e as violações do direito internacional humanitário por todas as partes, especialmente pelo regime” e enfatizaram a importância de erradicar o terrorismo do autodenominado Estado Islâmico.
Com esse fim, o comunicado faz um apelo “a todas as partes, especialmente ao regime e seus apoiadores, entre eles a Rússia e o Irã, para permitir uma assistência humanitária sustentável, sem obstáculos e adequada a todas as pessoas necessitadas”. Depois de reconhecer que “o povo sírio passou pelo mais atroz sofrimento e que nenhum esforço deve ser poupado para terminar o conflito”, afirma que não é possível tomar medidas sem “uma transição política credível”.
No documento com as conclusões das reuniões realizadas na segunda-feira e na terça-feira, os ministros das Relações Exteriores reconhecem que a Rússia tem um papel muito importante a desempenhar e pediram que ela use “sua influência junto ao regime para acabar com o conflito”, com um verdadeiro “cessar-fogo e um melhor acesso humanitário”, assim como “participando seriamente do processo político conduzido pela ONU”. “Se a Rússia estiver disposta a usar sua influência, estaremos dispostos a trabalhar juntos para resolver o conflito na Síria, buscando uma solução política e contribuindo para a estabilização e a reconstrução”, afirmam os membros do G7.
EL PAÍS