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Empresários se desdobram para driblar quase dois anos de crise no Brasil

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A crise econômica que perdura há quase dois anos no Brasil obrigou Evandro Luiz Antonio, de 44 anos, a repensar o seu negócio. Dono de uma pizzaria e também de um serviço de bufê de pizzas em domicílio, o empresário resolveu vender o local, que fundou há sete anos, e focar apenas no bufê, onde tem um custo fixo menor já que não precisa de um ponto fixo, por tanto, não paga despesas como conta de luz, água e aluguel. “Quando o brasileiro está sem dinheiro no bolso, como agora, o primeiro item que ele corta é a saidinha durante a semana ou um pedido de pizza. Já os eventos específicos, como um aniversário ou um casamento, as pessoas ainda não abrem mão”, conta Evandro que viu o faturamento da sua empresa despencar 40% no ano passado.

“Nunca vi uma crise como essa, mas pelo menos estou conseguindo me manter no mercado fazendo eventos, ainda que ganhe menos. Muita gente está quebrando”, explica o empresário que contratou uma equipe rotativa de freelancers para ajudar no serviço de bufê, o que também diminuiu suas despesas fixas.

Do mesmo ramo, o empresário João Batista Carvalho, dono das pizzarias JR e Kariel, na zona norte de São Paulo, também tem feito malabarismo para atravessar a maior recessão da economia brasileira das últimas décadas. A disparada nos preços dos produtos somada à queda de clientela fez o seu faturamento cair cerca de 30% neste ano. “Em um momento como esse, não consigo nem aumentar o valor das pizzas. Não há mágica, acabo tendo que vender muitas vezes os produtos a preço de custo para não perder clientes e manter o giro no restaurante”, explica.

Assim como Evandro e João, outros micros e pequenos empresários vêm registrando um dos piores resultados dos últimos anos. No mês de setembro, a receita real das micro e pequenas empresas (MPEs) paulistas caiu 10,1% em comparação ao mesmo mês do ano passado, segundo pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae). Essa foi a 21ª queda seguida no faturamento e reflete o nível fraco de consumo interno no Brasil, que tem impactado negativamente no setor dos serviços.

O anúncio de que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro já acumula queda de 4%, de janeiro a setembro, apenas confirmou o que a população e os empresários vêm sentindo na pele: oferta e demanda não estão se encontrando. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o consumo das famílias voltou a retrair no terceiro trimestre e caiu 0,6% em relação ao trimestre anterior, a sétima queda consecutiva. O dado reflete um desemprego que já soma 12 milhões de pessoas sem trabalho – 3,6 milhões a mais do que há um ano-, a oferta perde força e as empresas investem cada vez menos.

Sem consumidores, abre-se um círculo vicioso. As empresas estão reduzindo investimentos, combustível vital para a roda girar na economia, e o PIB vai minguando. Mas como investir se os clientes estão apertando o cinto, como mostram os exemplos de Evandro e João? No terceiro trimestre deste ano, os investimentos privados no país registram queda de 3,1%, depois de ensaiarem uma leve reação, de 0,5%, uma espécie de voo de galinha, no trimestre anterior.

“Depois do impeachment, da troca de Governo, esperávamos um pouco mais de velocidade na retomada econômica, mas o que vemos é que isso não está acontecendo”, afirma Nelson Tranquez, proprietário de três lojas de roupa na capital paulista. Segundo o empresário, desde 2015, a queda das vendas vem se acentuando e o obrigou a reestruturar a empresa. “Tivemos que ir diminuindo a produção gradativamente. Reduzimos o número de funcionários nas fábricas e prolongamos as liquidações e promoções”, conta. Tudo para tentar conter a queda do faturamento, que foi de cerca de 20% na empresa.

Tranquez, que trabalha com vendas de varejo e atacado, principalmente de calças jeans, ressalta que vários lojistas que vinham de outros estados para comprar no atacado reduziram as viagens. “Muita gente não está conseguindo terminar com os estoques. O consumidor está sem dinheiro”, explica.

A avaliação sobre a situação econômica atual realmente piorou e o Índice de Confiança do Comércio brasileiro voltou a cair em novembro, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). “A chegada do último trimestre não vem confirmando a melhora da confiança do setor que vinha sendo registrada nos índices até agosto. Além disso, o movimento de ajuste das expectativas persiste, o que deve se traduzir na manutenção do quadro de desempenho negativo do comércio para os próximos meses”, afirmou Silvio Sales, consultor da FGV/IBRE, em nota.

Segundo o Ministério da Fazenda, a principal razão para o resultado ruim do PIB foi o elevado nível de endividamento das empresas, que se refletiu exatamente nesta queda de investimentos. “Esse quadro decorreu de condições anteriores ao estabelecimento da nova agenda econômica do governo, que se mostraram mais graves do que inicialmente percebidas”, afirma em nota.

A frase corrobora a ideia defendida por alguns analistas econômicos: os sinais de alívio e de melhora da expectativa dos investidores que apareceram no segundo trimestre eram apenas uma ilusão. Faltou combinar a expectativa com a realidade. Com a dúvida pairando no ar de onde virá a força para retomada da economia, em um cenário recessivo de desemprego e de incerteza política, o economista Juan Jense, professor do Insper, acredita que já não podemos descartar uma revisão na estimativa de crescimento do ano quem. Talvez o país continue encolhendo em 2017. Não por acaso, a pesquisa Focus, do Banco Central, que mede as expectativas de mais de 100 instituições financeiras para a economia semanalmente, tem revisto para baixo suas projeções de PIB há sete semanas. No balanço divulgado nesta segunda-feira (5), a Focus projeta um PIB de 0,8% no ano que vem. Na semana passada, a projeção era de 0,98%.

A poucos dias do Natal, o empresário Nelson Tranquez já está conformado com a ideia de que as vendas no fim do ano ainda serão mais fracas. Mas confia que no fim de 2017, a expectativa de retomada do crescimento seja finalmente concretizada.

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