O ex-presidente e herdeiro do grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, relatou a procuradores da Lava Jato que uma espécie de conta que a empresa mantinha em nome de Luiz Inácio Lula da Silva tinha o objetivo de manter o petista influente depois que saísse da Presidência da República.
Lula deixou o Palácio do Planalto com grande aprovação popular em 2010, após a eleição de Dilma Rousseff, sua escolhida dentro do PT.
A expectativa era a de que o petista continuasse a ter relevância no cenário político, o que de fato ocorreu.
Preso há um ano e meio em Curitiba, Marcelo Odebrecht é um dos ex-executivos da empresa que relataram em acordo de delação como a empreiteira ajudou o ex-presidente a financiar o projeto.
Segundo ele e outros funcionários da empreiteira, foi criada uma “conta” financiada pela área da empresa denominado Setor de Operações Estruturadas, a responsável pelo pagamento de propinas e de caixa dois.
A conta, conforme os delatores, era gerenciada pelo ex-ministro Antonio Palocci, preso desde setembro. Branislav Kontic, ex-assessor de Palocci que também chegou e ficar preso em Curitiba, é apontado como um dos encarregados de transportar o dinheiro em espécie que abastecia a “conta”.
Batizada de “amigo”, termo usado pelos funcionários da empresa para se referirem a Lula devido à relação dele com Emílio Odebrecht, dono do grupo e pai de Marcelo, a “conta” foi usada para financiar projetos como a compra de um terreno em São Paulo que deveria abrigar a sede do Instituto Lula.
A criação de um espaço para que o petista despachasse e que também servisse para divulgar seus oito anos na Presidência da República era avaliada como vital para a consolidação do projeto de poder, segundo relatos obtidos pela reportagem.
Como a Folha revelou, três ex-executivos da Odebrecht, entre eles Marcelo, disseram em seus acordos de delação que a empreiteira comprou, em 2010, um imóvel na capital paulista para a construção da sede do instituto.
A aquisição do terreno, localizado na zona sul da cidade, é central em uma das denúncias em que Lula é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Os procuradores afirmam que parte das propinas pagas pela Odebrecht em contratos da Petrobras foi destinada para a aquisição desse terreno.
Os relatos dos delatores explicam a rubrica “Prédio IL” associada a cerca de R$ 12 milhões que aparece em uma das planilhas do Setor de Operações Estruturadas apreendida pela Polícia Federal.
Um ponto a ser esclarecido nas apurações é o fato de a sede do instituto não ter sido instalada no terreno da rua Dr. Haberbeck Brandão, na zona sul, mas em um edifício no bairro do Ipiranga.
AMÉRICA LATINA
Outro meio de consolidar a influência política de Lula descrito pelos delatores foi por meio do financiamento de campanhas de líderes de esquerda latino-americanos em países onde a empreiteira tem atuação.
No mesmo documento em que consta a anotação sobre o instituto, há os dizeres “Evento El Salvador via Feira” vinculado ao valor de R$ 5,3 milhões.
O dinheiro, segundo delatores, foi pago ao marqueteiro João Santana, que comandou a comunicação da campanha que elegeu Maurício Funes presidente de El Salvador em março de 2009.
Segundo pessoas envolvidas nas investigações, os delatores também esclareceram que esse pagamento fez parte do projeto de manter Lula influente na política.
O montante teria sido descontado do caixa dedicado ao petista com autorização dele.
OUTRO LADO
O Instituto Lula afirmou, por meio de nota, que não comenta “delações para obtenção de benefícios judiciais, quanto mais especulações sobre supostas delações”.
Reafirmou ainda que o ex-presidente Lula jamais solicitou qualquer vantagem indevida e que o referido terreno na rua Dr. Haberbeck Brandão, que teria sido adquirido pela Odebrecht, “jamais foi do Instituto Lula ou de Lula”.
A nota diz que mais de 20 testemunhas em depoimentos em Curitiba, incluindo os principais delatores da Operação Lava Jato, não apontaram envolvimento do petista em contratos ou desvios da Petrobras e não mostraram conhecer qualquer vantagem indevida dada a ele.
“Repudiamos atribuições de intenções ou interpretações referentes ao ex-presidente Lula feitas de forma leviana pelo vazamento ilegal de versões de supostas delações que são sigilosas.”
A Odebrecht afirmou que não se manifesta sobre o conteúdo de delações, mas reafirma seu compromisso de colaborar com a Justiça. Disse ainda que vem implantando as melhores práticas de compliance, baseadas na ética, transparência e integridade.
O advogado Roberto Batochio, que defende Antonio Palocci e Branislav Kontic disse que os fatos relacionados a seus clientes “não correspondem à verdade”. “Palocci nunca administrou conta alguma e Kontic nunca realizou a função de mensageiro dessa espécie”, declarou.