‘Mão de obra dizimada’
Ao todo, há 2,21 milhões de pessoas trabalhando em vagas com carteira assinada na construção, um número ainda muito aquém dos 3,21 milhões registrados em agosto de 2013.
“A mão de obra do setor foi dizimada. Enquanto a economia perdeu 5% dos empregos com carteira, a construção perdeu 35%. É um número estupidamente maior”, afirma Petrônio Lerche Vieira, diretor-executivo do Sinicon.
Na esquina das ruas Barão de Itapetininga e Dom José de Barros, no Centro de São Paulo, desempregados da construção civil se reúnem diariamente à procura de uma oferta de trabalho. No local, as histórias se repetem.
São pedreiros, marceneiros e ajudantes gerais que afirmam já ter trabalhado em grandes canteiros de obras e que atualmente sofrem para encontrar “bicos”. Veja vídeo acima
“Sempre quando eu saía de um emprego, antes de eu receber a rescisão, já me mandava para outro, agora está complicado. Não está aparecendo nada. Só promessa” , diz Francisco Aparecido Siqueira Silva, de 44 anos, desempregado há 2 anos.
José Eduardo de Araújo, de 63 anos, desempregado há 5 meses, diz que em outros tempos andava pela cidade à procura de vaga nos canteiros de obra. “Não existe mais. Você anda em todo lugar tem canteiro de obras, e grandes, mas tudo parado”, observa.
A baixa escolaridade e qualificação da mão de obra do setor dificulta a recolocação profissional. Segundo o Sinicon, 50% não têm o ensino médio completo e 53% têm entre 30 e 49 anos.
O pedreiro Santino Borges, de 47 anos, desempregado há 3 meses, diz que os trabalhos que conseguiu nos últimos anos foi como ajudante de limpeza. “Obra fracassou, não tem mais serviço mesmo, é muito difícil”, afirma.
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Obras paradas
A crise fiscal levou o governo federal e os estados e municípios a colocar o pé no freio nos investimentos (veja números no gráfico abaixo). O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também emprestou menos. Os desembolsos do banco para projetos de infraestrutura diminuíram pela metade, de R$ 38,8 bilhões em 2015 para R$ 19,5 bilhões em 2016.
As grandes construtoras brasileiras enfrentam uma grave crise econômica. Grupos como Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez encolheram de 2014 para cá. E outras construtoras que vinham em expansão, como UTC e Galvão Engenharia, pediram recuperação judicial.
Há mais de 8,2 mil obras paralisadas em todo o Brasil, segundo um estudo de setembro da Confederação Nacional de Municípios (CNM). Outras 11,2 mil deveriam estar em andamento, mas não foram sequer iniciadas por atraso no repasse de recursos previstos no orçamento da União.
Imóveis encalhados
Além das obras de infraestrutura, o mercado imobiliário é outro segmento da construção civil que ainda sofre com a crise. O número de imóveis novos ofertados no país começou a cair em 2017. O estoque, no entanto, continua elevado e acima da média do período pré-crise.
Levantamento da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) mostra que a oferta total média disponível em 2017 está em 119.823 unidades, ante 116.308 em 2016.
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“Essa é a pior crise que o setor já teve. Nessa, a queda foi abrupta”, afirma José Carlos Martins, presidente da CBIC Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). “Uma coisa é você estar caminhando e tropeçar. Outra, é você estar correndo e tropeçar. O tombo é muito maior”.
Ele explica que a atual crise chegou também após um ciclo de grande aquecimento do mercado, que teve nos últimos anos um “boom” de lançamentos imobiliários.
No mercado imobiliário, a expectativa é que a recuperação comece um pouco antes, uma vez que a atividade é menos dependente de investimento público e de projetos de concessão ou licitação. A retomada dos lançamentos, entretanto, continua sendo limitada pelo excesso de oferta, demanda ainda fraca e preços em queda.
“Por mais que o mercado imobiliário tenha começado a dar uma recuperada, ainda é ínfimo ao que foi há algum tempo atrás. Nos últimos 2 anos, tivemos menos lançamentos do que vendas. Ou seja, mesmo que as vendas tenham caído, os lançamentos caíram muito mais”, disse José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
Nos últimos meses, os indicadores de vendas e crédito imobiliário começaram a apontar para uma recuperação, mas o mercado imobiliário ainda segue distante dos patamares pré-crise. O crédito imobiliário com recursos da poupança, por exemplo, encolheu de um patamar R$ 112,9 bilhões em 2014 para uma previsão de R$ 45 bilhões em 2017.
Recuperação em 2018
Se por um lado o setor de construção civil tende a se recuperar de maneira mais lenta do que o restante da economia, aumenta o otimismo em relação a 2018. O índice de confiança da construção acumula 4 meses seguidos de alta e já recuperou o patamar de 2015, segundo a FGV.
Para Ventura, por se tratar de um setor em que as decisões são de longo prazo, a recuperação da confiança de investidores e compradores é fundamental. “A demanda existe, a questão que impacta é realmente o contexto econômico e os indicadores como confiança, a disponibilidade de financiamentos e a questão do emprego que acabam impactando o apetite dos investidores, afirma.
Entre os fatores que podem contribuir para a retomada estão a queda das taxas de juros, a melhora do crédito, a própria recuperação da economia e do mercado de trabalho, e a perspectiva de volta dos investimentos em infraestrutura em meio a série de privatizações e concessões promovidas pelo governo federal.
“Em 2018 deve estar começando a decolar as concessões que foram feitas ultimamente e, devem surgir outras, então começa uma reversão”, avalia Martins.
Já o presidente do Sinicon ainda vê pouca garantia de retomada dos investimentos em construção pesada e infraestrutura para patamares de antes do início da crise. “Podem fazer um monte de PPPs, de investimento privado, mas tem coisas que é o governo que faz. Investimento público tem que ter o dedão do governo”, resume.
G1