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Chamada de ‘Moro de MT’, juíza relata rotina protegida por 9 seguranças

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A juíza Selma Rosane Santos Arruda, de 54 anos, sente na pele a repercussão de suas decisões judiciais. Responsável pelas prisões de políticos, entre eles o ex-governador de Mato Grosso Silval Barbosa (PMDB), e de empresários, a magistrada passou a ser comparada ao juiz federal Sérgio Moro e tem sido aplaudida nas ruas. Alvo de ameaças, Selma é escoltada por nove policiais, que se revezam para protegê-la 24 horas por dia.

Preso em 2015 na Operação Sodoma, Silval Barbosa é apontado pelo Ministério Público de MT como chefe de um esquema que cobrava propina de empresas em troca de incentivos fiscais.

Selma se diz fã de Moro e avalia que é uma honra ser comparada ao juiz que conduz as investigações da Operação Lava Jato. “Ele [Moro] faz algo muito maior do que faço aqui. Ele é meu ídolo, meu ícone.”

Natural de Canoas (RS), e em MT desde 1986, a juíza é responsável pelos processos da Vara de Combate ao Crime Organizado em Cuiabá. Ela também conduz ações contra o ex-deputado estadual José Riva, político brasileiro que responde a mais de 100 processos na Justiça, o qual ela já classificou de “ícone da corrupção e da impunidade” em suas decisões.

As ações contra o político, que estão nas mãos da juíza, investigam desvio de dinheiro da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), no período em que era presidente e primeiro-secretário do órgão.

Juíza Selma Arruda diz que prefere ser respeitada do que temida (Foto: André Souza/ G1)Juíza Selma Arruda diz que prefere ser respeitada do que temida (Foto: André Souza/ G1)

Em seu gabinete na 7ª Vara Criminal de Cuiabá, onde passa 10 horas por dia, de segunda a sexta, a juíza conversou com a reportagem do G1 e contou os desafios inerentes ao cargo que ocupa. A parte do reconhecimento é uma das melhores, segundo ela, apesar de não passar mais despercebida aonde quer que vá.

A juíza já foi reconhecida e aplaudida na fila do supermercado e também durante uma viagem de fim de semana a Chapada dos Guimarães, cidade turística localizada a 65 km de Cuiabá. “Isso mostra que estou cumprindo meu papel e que as pessoas estão acordando para a necessidade de mudança”, afirmou.

Selma afirma que é normal as pessoas manifestarem apoio ao trabalho dela. “Já aconteceu de estar em uma loja e as pessoas me abordarem dizendo que me apoiam e que estão orando por mim”, lembrou.

Raio-X: Selma Rosane Santos Arruda
– Juíza da 7ª Vara Criminal de Cuiabá
– Nascida em Canoas (RS), tem 54 anos
– Casada, 3 filhos e uma neta. A filha caçula morreu de câncer há 3 anos.
– Gosta de ler, ouvir música, cozinhar e dançar
– Entre os casos de destaque, conduz ações contra o ex-governador do MT Silval Barbosa e empresários envolvidos em esquema de corrupção e contra o ex-deputado estadual José Riva.

Críticas
Apesar da comparação, Selma tem personalidade um pouco diferente de Moro. Enquanto o juiz do Paraná evita aparições públicas e não se manifesta na internet, Selma gosta da proximidade com a população, de sair para dançar e, até pouco tempo, era ativa nas redes sociais. Mas a popularidade a obrigou a ficar mais reclusa.

Juíza Selma Arruda, da 7 Vara Criminal de Cuiabá, discurssou durante o protesto (Foto: André Souza/G1)Juíza participou e discursou durante um protesto contra a corrupção, em Cuiabá (Foto: André Souza/G1)

Recentemente, a juíza excluiu dois perfis nas redes sociais depois de receber críticas de que suas postagens tinham cunho político, o que, de acordo com ela, não era verdade. “A ideia era que a magistratura não ficasse tão reclusa, distante do povo, como sempre foi. Mas me irritei com isso e decidi apagar”, afirma.

Ela usava as redes sociais para se manifestar sobre assuntos polêmicos. Em novembro do ano passado, divulgou um vídeo criticando duas medidas que o Congresso tentou inserir no pacote anticorrupção proposto pelo Ministério Público Federal (MPF). Uma delas poderia abrir brecha para anistiar políticos que cometeram crime de caixa 2 em eleições. Em dezembro, o STF suspendeu a tramitação do projeto, que voltou à estaca zero no Congresso.

Sobre uma possível carreira política, Selma afirma não ter sido sondada por partidos e não ter interesse. Porém, diz que não nega a possibilidade para “não passar por mentirosa depois” se lançar candidatura futuramente.

A magistrada não se considera a mulher mais temida de Mato Grosso. Ao contrário, ela acha o adjetivo constrangedor. “Prefiro ser respeitada do que temida”, afirmou.

Privacidade
A fama, porém, tirou um pouco da privacidade da juíza, especialmente nos últimos dois anos. “Não posso tomar uma cerveja ou sambar, pode ter uma pessoa que me conheça por perto. Liberdade mesmo, só dentro de casa.” Ela afirma tentar lidar com a situação da melhor forma, para não se tornar uma pessoa amarga.

Evita, por exemplo, ir ao supermercado, sair para dançar e ir ao shopping. As exceções são para palestras, principalmente sobre corrupção.

Em dezembro do ano passado, ela participou de um protesto contra a corrupção, em cima de um trio elétrico, em Cuiabá, e discursou durante o ato.

Para não circular muito, compra roupas em uma única loja, mas não deixa de ir ao salão de beleza duas vezes por semana para fazer as unhas e o cabelo. Em casa, gosta de cozinhar. Suas especialidades são arroz com galinha e carne com batata. Também gosta de ler e ouvir músicas. Atualmente, está lendo livros sobre o Judiciário e um livro sobre espiritismo, que ganhou de presente. Eclética, ouve de sertanejo universitário a funk.

Escolta
Desde setembro de 2015, quando as ameaças ficaram mais frequentes, Selma passou a ter escolta de nove policiais militares, cedidos pelo governo estadual, que se revezam em plantões. A juíza diz que pediu seguranças por medo de que algo pudesse acontecer com a família.

Juíza Selma Arruda, responsável por conduzir as audiências da Operação Sodoma (Foto: Lislaine dos Anjos/G1)Selma Arruda vive com escolta policial por causa de ameaças (Foto: Lislaine dos Anjos/G1)

A relação com os seguranças é de amizade, segundo ela, que afirma conhecer a família de todos eles, que se reúnem em confraternizações. “É o jeito que encontramos de humanizar a relação.”

Mas não é de hoje que Selma recebe ameaças. Ela diz que os momentos mais difíceis da carreira foram em Cáceres, a 220 km da capital, na divisa com a Bolívia e rota do tráfico de drogas. Lá, atuava também na Vara Criminal e recebia ameaças de policiais e traficantes por telefone. Nas ligações, diziam que ela “não iria amanhecer ou que presenciaria os filhos serem estuprados”, diz a magistrada.

Os maiores conflitos eram com policiais envolvidos no tráfico e em homicídios. Depois de decretar as prisões deles, os agentes prisionais relatavam à juíza os planos de vingança dos acusados.

Se houver indício de cometimento de delito ou suspeita de que o acusado vai atrapalhar as investigações, mando prender quem quer que seja”
Selma Rosane dos Santos Arruda, juíza

À época, a segurança institucional não existia. Para a segurança dos filhos, Selma diz que passava a noite com uma pistola engatilhada no colo. “Meu marido saía para os plantões e eu ficava sozinha em casa. A arma ficava comigo o tempo todo. Estava pronta para a guerra.” O marido de Selma é policial rodoviário federal.

Depois de cinco anos em Cáceres, Selma foi transferida para Várzea Grande, região metropolitana de Cuiabá, e, em seguida, para a capital. Antes disso, atuou em Alta Floresta, Nobres e Poxoréu.

Em Cuiabá, as ameaças diminuíram, mas não cessaram. Elas chegam à juíza, na maioria, das vezes, por terceiros. Um agente penitenciário relata algo que ouviu ou um réu repete uma história de dentro da cadeia durante uma audiência, por exemplo.

Devota de Nossa Senhora Aparecida, a juíza credita à santa algumas graças recebidas. Entre elas, o tempo de sobrevida da filha mais nova, que faleceu há três anos, vítima de um câncer. Além dessa filha, ela tem um casal.

Para Selma, a lei facilita a vida dos criminosos. “O direito penal facilita e muito a vida de um criminoso. Quando se trata de uma pessoa com alto grau de instrução, com acesso à defesa, a balança precisa ser reajustada em favor da sociedade. É isso que faço. E, se houver indício de cometimento de delito ou suspeita de que o acusado vai atrapalhar as investigações, mando prender quem quer que seja”, declarou.

Ela disse que faz questão de emitir a opinião dela nos veículos de comunicação. Para a juíza, essa é a conduta mais condizente com o cargo que ocupa. “Em se tratando de corrupção, a minha contribuição é falar o máximo que puder, prestar contas à sociedade e fazer com que as pessoas entendam do que se trata”, afirma.

Em contraponto, ela critica a criação de heróis. “Devemos crer mais na instituição do que nas pessoas. Outros juízes virão e darão continuidade ao meu trabalho, por exemplo”, disse.

Machismo
Mesmo em uma posição considerada privilegiada, Selma não ficou imune ao machismo. Um dos inúmeros episódios do qual foi vítima aconteceu no início da carreira, quando foi designada para atuar no interior do estado. “Recebi uma ‘lavada’ dizendo que eu não iria para comarca boa só porque era mulher ou que iria para os municípios no interior do estado.”

Além disso, a maioria dos advogados de defesa que frequentam as audiências presididas por ela é do sexo masculino. A falta de respeito nesse cenário, de acordo com Selma, impera.
“Um grita de lá, o outro de cá e eu no meio pedindo silêncio e nada. Isso é uma falta de respeito com quem conduz a audiência, e comigo ainda mais, por ser mulher”, afirmou.

Selma diz que é cobrada pela mãe de 91 anos, que mora no Rio Grande do Sul, para deixar a magistratura. A juíza já pensa na aposentadoria, mas sabe que a decisão depende das sentenças de ações que ela instruiu, como as relacionadas às operações Sodoma, Ventríloquo, Imperador, Arca de Noé e Rêmora, que investigam políticos e ex-políticos do estado. “Quero sair com sensação de dever cumprido”, disse.

A transição deve acontecer devagar. “Isso aqui é muito pesado para se deixar de uma vez e sair fazendo outra coisa”, afirmou. Toda a carreira é motivo de orgulho para Selma. Ela afirma que repetiria todos os passos até chegar onde está hoje, se necessário fosse.

G1

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