Apesar de muitas empresas terem conseguido driblar a crise e crescer em plena recessão, como mostrou reportagem publicada ontem pelo Correio, a realidade do setor industrial como um todo, no Brasil, é dramática.
“A capacidade ociosa está muito elevada, e o problema é estrutural. Hoje, no Brasil, a participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) é menor do que a verificada em outras economias emergentes. Na China, a manufatura representa 30% do PIB. Aqui, apenas 11%”, explica Roberto Castello Branco, diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento.
Quando se fala em avanços tecnológicos, como os da chamada indústria 4.0, o acadêmico é categórico e não vê chances de o país conseguir acompanhar economias mais desenvolvidas.
“O Brasil adotou políticas industriais de incentivo, com intervenção do Estado, desde a estratégia de substituição de importações dos anos 1950, criando restrições ao comércio internacional”, afirma Castello Branco, criticando iniciativas como a de conteúdo local, da Zona Franca de Manaus, e a de crédito subsidiado, intensificada entre 2007 e 2014.
Segundo ele, todas foram ineficazes em estimular o crescimento do país. “Mesmo com todos esses estímulos, a indústria encolheu, porque não havia competição devido ao alto grau de protecionismo, e as empresas não investiram em inovação. Ficaram deitadas em berços esplêndidos, demandando favores do Estado, e perderam competitividade”, explica.
“O Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo. Isso dificulta a absorção de tecnologia. As empresas que não têm mercado mais amplo para se desenvolver acabam sendo ineficientes”, destaca Castello Branco. A falta de investimentos em infraestrutura agrava o quadro. “Mandar mercadoria do Sudeste para o Norte do Brasil é mais caro do que para muitos países”, compara.
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A perda de espaço da indústria na economia, contudo, não é uma exclusividade do Brasil. “A tendência de desindustrialização é global. O único país onde a indústria não perde participação no PIB é a Alemanha”, destaca Bruno César Pino Oliveira de Araújo, diretor adjunto de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação e Infraestrutura (Diset) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No caso brasileiro, porém, a perda de posição não ocorre devido à ascensão mais rápida de outros setores, mas à perda de competitividade, que aumentou a vulnerabilidade do setor à crise em que o país se vê mergulhado.
Nos últimos três anos, a produção industrial brasileira encolheu 17%, mas alguns ramos ultrapassaram 50% de queda. Foi o caso dos segmentos de ônibus e caminhões (-64%), de cabines, carrocerias e reboques (-66%) e de equipamentos de informática e periféricos (-53%). No entender de Rafael Cagnin, setores mais vulneráveis, com taxas de redução superiores a 60% entre 2014 e 2016, podem até desaparecer do mercado.
“Quando a taxa de câmbio ficou mais favorável em 2016, e o dólar chegou a R$ 4, algumas empresas apostaram na ampliação das exportações. Mas essa operação quase não teve retorno ou acabou tendo prejuízo devido à volatilidade cambial dos últimos meses. Isso dificultou a exportação e não ajudou as empresas a ganharem mercado”, diz Rafael Cagnin. Ele avalia que a reversão do Reintegra, que era um incentivo para reduzir as distorções da carga tributária, colocou uma pá de cal nas chances de o país ampliar exportações.
Negociações
César, do Ipea, também considera que um dos principais fatores que dificultam os ganhos de produtividade da indústria é o modelo protecionista. “Esse modelo faliu nos anos 1980”, resume ele, lembrando que houve um início de abertura em 1990, com as negociações multilaterais que acabaram dando corpo à Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). No entanto, a dificuldade de fechar o acordo, no qual o país apostava as suas fichas, deixou a indústria nacional fora do jogo.
O economista lembra que o país teve uma última onda protecionista em 2012, no primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, com a criação de vários regimes especiais, como o Inovar Auto, que está sendo alvo de reclamações formais de vários países na OMC. “A situação atual é que todo mundo perde e ninguém ganha. E a indústria nacional, se não houver abertura, continuará perdendo competitividade”, afirma.
Os especialistas concordam que o país precisa de reformas para que a indústria nacional que sobreviveu aos dois últimos anos de recessão e ao processo de desindustrialização das últimas décadas mantenha, pelo menos, a participação atual na economia. “Como o mercado doméstico é grande, muitas se acomodam e não buscam competir no exterior, montando uma plataforma de exportação porque os custos logísticos e da burocracia inibem a competição com países que possuem produtividade maior do que a brasileira”, destaca Castello Branco. Ele cita como exemplo a indústria automobilística, na qual um trabalhador mexicano é duas vezes mais produtivo do que o brasileiro. “Temos um automóvel pequeno e básico, que custa o mesmo que um modelo de luxo no mercado externo devido, em boa parte, às barreiras tarifárias e não tarifárias. É impossível ser competitivo”, completa.
Investimento
Os analistas não têm dúvidas de que, com a baixa capacidade de investimento, a indústria brasileira ainda está fadada a um atraso maior. Mas, mesmo que a economia recupere o crescimento, a indústria não voltar a investir tão cedo. O diretor do Ipea lembra que a capacidade ociosa está elevada e a taxa de juros ainda precisa se ajustar a uma nova realidade para que as empresas voltem a contrair crédito e, assim, dar início a um novo ciclo de investimento.