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Brasil em crise. As dificuldades de achar a luz no fim do túnel

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Nada é tão ruim que não possa piorar. O ditado, que serve a pessimistas em muitas esferas, poderia ser aplicado ao desgaste político que se instalou no País e que, a cada semana, agrega episódios que acentuam a crise entre as instituições. O cenário é de constante embate: Executivo briga com o Judiciário, que briga entre si, que é desacatado pelo Legislativo. Foi assim nesta semana, e poderá ser nas próximas (leia quadro).

 

A atuação da Procuradoria Geral da República (PGR) na Operação Lava Jato é um elemento extra, ao incomodar governos e parlamentares. No clima de ataque e defesa, a busca por uma solução pacífica, que estanque a crise política, parece ir sendo jogada em segundo plano.

As saídas para dar ao Brasil alguma dose de paz existem. Uma delas, de curto prazo, estaria logo ali, em 2018: as eleições diretas. Para o cientista político da Universidade de São Paulo (USP) José Álvaro Moisés, o conflito institucional é consequência da crise política –nessa esfera, portanto, residiria a saída.

Para o cientista político Jawdat Abu-el-Haj, da Universidade Federal do Ceará (UFC), o Brasil só conseguirá respirar mais aliviado após as eleições caso elas ocorram sem interferências da máquina pública, livres de abuso de poder, após uma transição política em que a população consiga discutir programas e candidatos de forma livre.

“Após a eleição, vai ter atrito, mas quem ganhar passa a ter legitimidade. Ele vai debater um programa político, vai ganhar a partir de propostas. A eleição livre tem esse propósito. A solução começa aí. O problema é a forma como, até agora, isso está se dando”, avalia Jawdat.

A “forma como isso está se dando” faz referência, segundo Jawdat, ao “vale-tudo” na defesa e no ataque. Lideranças e partidos tentam sobreviver ao avanço da Lava Jato e, de um lado, jogam pesado para se defender de acusações; do outro, buscam o acirramento para enfraquecer o campo adversário. “A impressão que se tem é que está valendo tudo”, opina. Preparação Para o professor da USP José Álvaro Moisés, a própria permanência do presidente Michel Temer (PMDB) no cargo cria uma instabilidade que dificulta a saída do Brasil da crise política e institucional. “Há um argumento de que o governo quer fazer reformas importantes para devolver o Brasil à estabilidade. Mas de que estabilidade estamos falando? Um governo acusado de crimes ainda não explicados, por si só, cria instabilidade. Não basta fazer reformas para restaurar a confiança nas instituições. Não sei dizer se o governo vai ter condição de fazer essa transição pacifica e segura. Exigiria que ele se explicasse melhor e que, ao mesmo tempo, procurasse não reagir ao fato de que esteja sendo investigado”, avalia Moisés.

Ele aponta, ainda, a responsabilidade dos partidos no problema. Ele reforça a tese de que há dificuldade de preparação para 2018, que tende a reduzir a eficácia das eleições como elemento arrefecedor da crise: “As revelações da Lava Jato indicam que a maioria dos partidos se envolveu em corrupção. Até hoje, nenhum veio a público pedir desculpas à população, nenhum anunciou medidas internas para assegurar que seus filiados não vão mais se envolver em corrupção. Não há perspectiva de que os partidos e líderes estão dispostos a inovar suas práticas”.

 

Saiba mais

 

Para citar apenas as últimas semanas, novos episódios expuseram agravamento da tensão entre Executivo, Legislativo e Judiciário. O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, teria solicitado ao relator da Lava-Jato no STF, Edson Fachin, autorização para colocar escuta no gabinete de Temer e para grampear os telefones do presidente. Janot negou que tenha feito o pedido. O Governo Federal sofreu forte reação do Judiciário, ao ser acusado de ter providenciado devassa contra Edson Fachin via Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). O Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ao qual a ABIN é vinculada, negou arapongagem. Temer estaria avaliando a possibilidade de analisar outras opções, além da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República, para escolher o substituto de Janot na PGR. Janot encerra seu mandato em setembro. Nas próximas semanas, poderá haver mais acirramento com a PGR. com a denúncia que Janot deverá apresentar contra o presidente na Câmara. Na última sexta, ventilou-se que a PGR estaria preparando um segundo pacote de denúncias, para não dar fôlego a Temer no Congresso. Dias após o fim do julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE, o presidente da Corte, Gilmar Mendes, insinuou que os colegas de Tribunal Herman Benjamin e Rosa Weber não teriam votado a favor da cassação da chapa se a ameaça de perda de mandato fosse contra Dilma Rousseff (PT). Insinuou influência política.

 

O QUE NOS IMPEDE DE DESATAR O NÓ DA CRISE 

DISPUTA PELO PODER A Lava Jato avança e as principais forças políticas do País lutam para sobreviver. PMDB joga pesado para se manter no governo, enquanto PT, também acuado por denúncias, aposta na figura do ex-presidente Lula como estratégia de defesa – o que acirra ainda mais o embate e polariza opiniões. O PSDB, rachado, também se ocupa em explicar acusações. Sobra pouco espaço para uma transição pacífica que conduza às eleições de 2018.

 

VÁCUO DE LIDERANÇAS A ausência de personagens com legitimidade e “acima de qualquer suspeita” para conduzir uma transição política complica a saída do Brasil da crise. Nos últimos meses, ensaiou-se buscar no Judiciário uma solução “neutra” para o caso, mas sem sucesso.

ASSIMETRIA ENTRE OS PODERES Para cientistas políticos ouvidos pelo O POVO, há hiperconcentração de poder nas mãos do Executivo, o que atrapalha o equilíbrio entre as instituições. A assimetria ocorreria tanto no poder do presidente de interferir na composição das cortes judiciais quanto na relação com o Legislativo. Nesse último ponto, o presidencialismo de coalizão, as negociações em busca de governabilidade e o trânsito entre Executivo e Legislativo criariam problemas estruturais que levam a constantes crises.

CADÊ A REFORMA POLÍTICA? Mudanças estruturais no sistema político andam a passos lentos e de forma fatiada no Congresso Nacional. Questões como financiamento de campanha (uma das principais brechas para a corrupção), coligações partidárias e modelos de eleições proporcionais, por exemplo, têm ficado em segundo plano, diante da agenda econômica discutida no Legislativo e da crise política aguda. Para analistas, a dificuldade de se chegar a soluções para esses e outros pontos contribuem para ciclos permanentes de crise política e institucional.

OPOVO

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