Quando as coisas não poderiam estar piores, de repente ficam. Um atentado atingiu na segunda-feira o coração de Berlim e um símbolo da cultura e tradição alemãs causando 12 mortos e meia centena de feridos, 14 deles em estado grave. Mas pelo menos o suposto autor da matança, um refugiado paquistanês, foi preso graças a uma pessoa que teve a coragem de segui-lo. Ou era isso em que os policiais e promotores acreditavam. Na manhã de terça-feira, admitiram não estar seguros de seu envolvimento; e de tarde o libertaram. O autêntico autor do atentado está livre. O Estado Islâmico assumiu a autoria do ataque.
A dúvida começou a aumentar após o meio-dia de terça. “Estamos com o homem errado e, portanto, uma situação completamente diferente. O autor ainda está armado e pode causar mais estrago”, afirmou um responsável da polícia ao jornal Die Welt. Em uma entrevista coletiva posterior, as autoridades não foram tão taxativas, mas transmitiram a mesma sensação. “Precisamos nos preparar para a ideia de que o preso não seja o autor do atentado”, afirmou o promotor federal, Peter Frank, que disse também desconhecer se o ataque foi organizado por uma ou várias pessoas; e se contou com ajuda do exterior. Diante da falta de provas contra ele, o suspeito, que negou qualquer relação com o ocorrido, foi colocado em liberdade de tarde.
O ministro do Interior, Thomas de Maizière, acrescentou no final da tarde mais incerteza ao pedir prudência no momento de se encontrar os responsáveis pelo ataque. “Devemos deixar os órgãos de segurança fazerem seu trabalho. Estão trabalhando em seu máximo e ninguém irá descansar até que o autor ou os autores sejam presos”, afirmou em declaração à televisão pública após a revelação de que o EI reivindicou a autoria da matança.
Alle polizeilichen Maßnahmen zu dem vermutlich terroristischen Anschlag am #Breitscheidplatz laufen mit Hochdruck und der nötigen Sorgfalt.
— PolizeiBerlinEinsatz (@PolizeiBerlin_E) 20 de dezembro de 2016
A dramática mudança nos acontecimentos é importante pela evidente ameaça à segurança da população. A presença policial se tornou mais evidente na segunda-feira em Berlim. Mas também tem repercussões políticas. Em seu pronunciamento às 11h da manhã (8h de Brasília), a chanceler Angela Merkel pareceu dar como certa a responsabilidade do afegão detido. “Se for confirmada, será muito duro para todos o fato de que o autor tenha pedido proteção e ajuda na Alemanha. Isso seria especialmente repugnante aos que a cada dia se envolvem na ajuda aos refugiados; e às muitas pessoas que realmente precisam de nossa proteção e se esforçam por se integrar em nosso país”, disse a chefa de Governo.
A Alemanha reagiu com tranquilidade ao ataque, sem cenas de pânico. Mas a sensação de intranquilidade é evidente. Uma falsa ameaça de bomba obrigou a evacuar brevemente a principal estação de trens de Colônia. Enquanto isso, as barracas e bancas do mercado de Natal não abriram na segunda-feira em Berlim, em sinal de respeito às vítimas e familiares, mas abriram no restante do país. Há tempos se sabia que estas bancas nas quais os alemães festejam a data bebendo glühwein (vinho doce quente) poderiam ser um objetivo terrorista, mas agora essa suspeita se confirmou. Merkel apelou a ideia de não se deixar levar pelo terror e manter a vida diária. “Não podemos e não queremos viver renunciando às feiras de Natal, a passar momentos bonitos com nossas famílias e amigos. Não queremos viver paralisados pelo medo dos terroristas”, afirmou.
Como mensagem de luto e solidariedade às vítimas, as cores da bandeira alemã iluminaram na tarde de segunda-feira o Portão de Brandenburgo. Cristãos, judeus e muçulmanos participaram de uma cerimônia religiosa ecumênica na Igreja Memorial do Kaiser Wilhelm, a poucos metros do lugar do atentado.
Depois de 24 horas da tragédia, a única coisa que parece certa é que o agressor dirigiu o caminhão deliberadamente em direção à multidão, onde matou 11 pessoas. “Já não temos nenhuma dúvida de que os horríveis acontecimentos significaram um ataque”, afirmou o ministro do Interior, Thomas de Maizière, que, entretanto, não quis usar a palavra “terrorista”. A décima-segunda vítima é o verdadeiro motorista do veículo, que foi assassinado a tiros em uma ação muito semelhante à realizada em julho por terroristas islâmicos na cidade francesa de Nice. O EI também reivindicou o brutal atropelamento de 60 pessoas com o veículo, que percorreu 50 metros pelo interior da feira, entre barracas de comida e lojas de venda de acessórios. Entre os feridos está um estudante basco do programa Erasmus, que sofreu fraturas no tornozelo, tíbia, perônio e quadris.
Até agora, a Alemanha havia se livrado da fúria dos radicais islâmicos, ao contrário de países como a França, Bélgica, Reino Unido e Espanha. Diferentes acontecimentos nos últimos meses – como a agressão em um trem feita por um jovem afegão e a bomba colocada em um festival de música – não produziram vítimas fatais.
No final da segunda-feira, o autoproclamado Estado Islâmico divulgou que considera o agressor como um de seus “soldados”. A Promotoria já havia afirmado que o modus operandi – semelhante ao de Nice – e a simbologia da feira de Natal deixavam poucas dúvidas sobre a motivação islâmica. Merkel deverá enfrentar agora uma situação complicadíssima a nove meses das eleições. E o primeiro grande atentado jihadista na Alemanha deixou claro que seus inimigos pensam em usar qualquer ocasião para acabar com ela. O especialista israelense em terrorismo Shlomo Shpiro considera que a Alemanha acaba de viver seu 11 de Setembro. “A partir de agora, o terror faz parte de seu dia a dia”, acrescentou.