Fazia 43°C à sombra, mas Dawit, meu jovem guia, disse que estávamos com sorte – as temperaturas ali aparentemente podem passar dos 50°C. Um dos mais remotos locais do planeta, a Depressão de Danakil, no nordeste da Etiópia, é conhecido como o local inabitado mais quente do mundo.
A temperatura média anual é de 34°C e não por acaso, de acordo com Dawit, a região é mais conhecida como “Portão do Inferno”.
Alguém poderia pensar que o caráter inóspito não faria de Danakil um destino popular para turistas ou mesmo moradores. Mas o local é o berço de uma tradição cultural em extinção: as caravanas de camelos que carregam sal pelo deserto, conduzidas pela tribo nômade Afar.
Formada pela colisão de diversas placas tectônicas nas fronteiras de Etiópia, Eritreia e Djibuti, a Depressão de Danakil não é apenas um caldeirão em ebulição, mas também um local de maravilhas geológicas.
A maioria dos visitantes vem em busca do Erta Ale, um vulcão de 600 m que contém o maior lago de lava do mundo.
A paisagem vulcânica conta com fontes quentes sulfurosas, leitos de lava e uma mistura de depósitos de sais e minérios que forma um incrível mosaico de formações e cores.
A tribo Afar vive nessa paisagem árida lunar há séculos, se mantendo da extração de sal dos muitos lagos de Danakil. Assim como os curdos, os afar não têm um país que possam chamar de seu ou direitos políticos.
Eles são conhecidos por serem independentes, tenazes e não muito hospitaleiros, talvez refletindo o terreno inóspito à volta.
Até a ocupação militar italiana na Segunda Guerra Mundial, os afar costumavam cortar os testículos de intrusos a título de comitê de recepção. Isso já não acontece mais, mas há alguns anos um grupo radical afar sequestrou turistas, forçando uma intervenção do exército etíope, que hoje patrulha a área.
Dawit nos ajudou a navegar o terreno acidentado até chegarmos ao lago Assal, no leste de Danakil, onde um grupo afar termina de carregar seus camelos. É um trabalho duro: trabalhadores usam picaretas básicas para cortar blocos de sal sobre o sol inclemente e recebem o equivalente a apenas R$ 20 por dia.
Mohammed, um jovem pastor de camelos, aproxima-se para pedir um cigarro.
Entre baforadas, conta que seu pai costumava cortar 150 blocos por dia, bem mais que a média dos outros trabalhadores, cuja produção normalmente é de 120 blocos diários.
Mas Mohammed optou por um trabalho mais fácil, apesar de pagar menos: carregar e conduzir camelos.
Ele é responsável por uma cáfila de 15 a 20 animais, cada um carregando 30 blocos de sal – 4 kg a unidade.
O destino da jornada de 80 km é o povoado de Berahile. Cada perna do percurso dura de dois a três dias – a caravana recebe cerca de R$ 450 pela viagem, e a maioria do dinheiro fica com o dono dos camelos ou é gasto na alimentação dos bichos.
Mas Mohammed consegue tirar um extra entre as viagens vendendo passeios de camelo para turistas que visitam o Erta Ale.
As caravanas costumavam viajar mais e levar sal para distâncias ainda maiores, mas a construção de uma estrada ligando Berahile ao resto da Etiópia abriu caminho para que caminhões disputem o transporte.
E mais mudanças estão a caminho: equipes de construção estão abrindo uma estrada entre Berahile e Hamid Ela, o povoado que fica mais próximo dos depósitos de sal.
A tradição das caravanas do sal dos afar pode estar com os dias contados.